segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

FELIZ ANO NOVO

Para si e para os seus, tudo o que desejar de bom. Mas tem que o desejar mesmo, e não só fingir que deseja.
Apaixone-se, mas antes de o fazer, decida a hora e o local, e compre um medicamento para depois se curar de tão grave doença.
Olha à sua volta e aprenda a amar, com aquele amor quente, que é o amor de dar. Mas veja lá o que dá, sim? Só se pode dar o que não tem preço.
Ah! A amizade, esse sentimento de que tanto falamos e de que tão pouco sabemos. Sim. Dê amizade e procure amizade. Daquela mais rara, que chega até a ser mais que paixão, a ser mais que amor. Mas isto é outra história.
Olhe: tome lá um abraço, sim?
:-)

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

BOM NATAL

A porta dos deuses abriu-se, e um deles já entrou, na forma de um menino, pequenino e inocente, mas que vai ter de aguentar a responsabilidade de ser um deles.
Nesta cena costumeira, mas sempre poética e terna, falta só um elemento, e esse elemento é a vaquinha. Escusam de protestar, pois alguém tinha que pegar na máquina, e tirar a fotografia.
E como a vaquinha é feita de bondade e inocência, correu depois para os montes a anunciar a boa nova com a sua voz potente. Os animais vieram logo. Os homens foram mais renitentes, e até exigiram provas, como a Estrela de Belém.
Mas depois lá foram vindo, agora um e logo outro, pois a vaquinha, que é esperta, prometeu-lhes que o Deus Menino daria, a quem o visitasse na gruta, um caminho de estrelas, onde corre leite e mel, que era tudo o que os homens queriam. Por isso lá foram vindo. E ainda hoje lá vão.
Venha você também. Mas não venha buscar só buscar o que a vaquinha prometeu. Venha antes trazer ao menino, e principalmente ao seus próximos, aqueles melhores alimentos que esconde no seu coração: a amizade e o carinho, a ternura e o amor.
:-)

sábado, 22 de dezembro de 2007

A porta dos deuses

No seu movimento aparente, o sol fecha agora um ciclo para abrir um outro. Na elipse que vai desenhando ao longo do ano, ele está agora no seu ponto mais afastado em relação a nós, e na sua declinação máxima a sul. Por isso nos aquece menos, aqui no hemisfério norte. É o Solstício de Inverno, o dia mais curto e da noite mais longa do ano inteiro. É o que nos diz a Física e a Astronomia.
Os homens de antanho, porém, não confiavam muito na ciência fria, e iam mais além. Aquecia-lhes o céu os olhos, desde há muito tempo, e eles viam lá deuses velando por eles, protegendo-os de desgraças e medos, abençoando-os com esperanças e sonhos; e deram nomes a esses deuses múltiplos, desenhados a fogo pelas estrelas; e para esses nossos antigos, todas as coisas no céu, e até na terra, se não fossem deuses, então teriam que ser obra deles; e foi por isso que eles, ao Solstício de Inverno, chamaram a porta dos deuses.
E fizeram bem. Que os deuses já cansados de noite tão longa, e condoídos da penúria dos homens, abriram as portas e entraram, trazendo consigo o sol subindo, o sol aquecendo, os dias crescendo, a noite minguando, a esperança aumentando, o homem sonhando, a vida brotando, num ímpeto primordial ainda, e sempre renovado; trouxeram consigo a luz e o fogo para iniciarem um tempo de renascimento, mais luminoso para os homens.
Em harmonia com os deuses, os homens antigos agradeceram a sua chegada , acendendo fogueiras nas clareiras dos bosques, nas encruzilhadas, no centro da aldeia, no centro das suas humildes moradas; dizem até que, no meio dos bosques, escolhiam os mais lindos pinheiros, e os enfeitavam para os deuses neles de mansinho poisarem; e celebravam o acontecimento, cantando e dançando, saciando o corpo e saciando a alma, numa embriaguês, sincera e feliz, de amor à vida, a renovar-se sempre. E foi assim que os deuses, o fogo e o pinheiro se tornaram símbolos de eternidade.
Os homens de antanho, na sua ciência mágica, inventaram a porta dos deuses, e, porque a inventaram, os deuses entraram, vindo até eles com o fogo da esperança, do sonho e da vida.
Os homens de hoje estão muito esquecidos dessa magia antiga. Regem-se por leis frias que lhes dizem que tem que ser assim, e eles regelam, descrentes do fogo que a magia tem. Mas ainda celebram. Chamam-lhe Solstício, chamam-lhe Natal, chamam-lhe Ano Novo – nomes encobertos, que nós bem sabemos que o que celebram é, na verdade, a porta dos deuses, e a sua chegada, teimando em trazer-nos, embrulhadas em cinzas, pequenas centelhas de fogo, para acender fogueiras de humanidade em nós.
E tanto é assim que, nestas alturas, muitas almas frias degelam, deixando que delas pinguem gotas de ternura. Oxalá sejam muitas, e sejam para sempre.
Que os deuses abençoem o mundo com inundações permanentes de ternura quente.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

As velhinhas, o responso e o macaco

Não sei bem se foi para falar das velhinhas que falei no responso, ou se foi para falar no responso que falei nas velhinhas. Esta minha dúvida, porém, não é relevante, pois os meus leitores, amáveis e justos, não vão hesitar, e vão gostar muito mais das velhinhas.
A bem da verdade, eu tive que meter na história o responso e as velhinhas, muito simplesmente porque o que se conta foi como foi. Foi tudo verdade, excepto aqueles pequenos reparos em que falo de mim, dizendo-me teimoso, quase impaciente, e até casmurro - mas isso você também já percebeu que sou eu a mentir, inventando-me alguns defeitos, para parecer quase humano.
Seguindo em frente, devo dizer-lhe que, mal reli a história, depois de a publicar aqui, logo o responso se me impôs com um relevo tal, que eu estava longe de imaginar. Sabem muito bem que o responso é uma oração, neste caso feita a Santo António, para que apareçam coisas perdidas ou para afastar males de que se tem medo. Ora, vai daí, eu pensei logo no meu amigo que andava perdido. Sim, o macaco.
Apesar do que ele me fez, eu não podia ficar de braços cruzados. Já tinha recorrido a tudo. Mas nada. E foi então que, quase em desespero, e apesar da minha tendência herética, me agarrei ao responso, naquela atitude pouco ortodoxa, quase oportunista, de que se não fizer bem também não fará mal.
Ensaiei-o três vezes, para não me enganar - que isso deitaria tudo por água abaixo; depois outras três, para que a convicção soasse sincera - que, se não, não valia; e depois rezei-o três vezes - como tem que ser -, muito concentrado, ajoelhado, de olhos fechados e de mãos postas, erguidas aos céus.
Quando acabei, não ouvi resposta. Mas deixei-me estar mais uns momentos de olhos fechados a meditar. Até que ouvi como que um roçagar de seda a passar e abri os olhos. Era um papel leve que apanhei e li: O teu macaco foi rapatado por uma pessoa que mora na "acaciaemflor" e que se assina como GraçaGrega.
E logo mais abaixo, em letra mais pequena: - Não sejas estúpido. Não enganas ninguém, muito menos os céus. O teu responso foi ridículo e burlesco. Nem merecias resposta. Mas as velhinhas de que tu falaste, cegas que estão pelo amor que te dão, acham que mereces. E é só por elas que te transmitimos esta informação confidencial. E fica sabendo que o macaco não é macaco; e tu também não; tu és mais que macaco: és um macacão.
Ponham-se no meu lugar e digam lá se o que li não é motivo para um ataque fatal: primeiro a resposta; depois a notícia do rapto; depois as velhinhas; depois o atrevido a chamar-me macaco.
Mas não tive tempo para perder em considerações merecidas. Saltei, pois, correndo à procura dessa malfadada acácia que, mesmo sendo graça, me queria desgraçar o macaco. Depressa descobri a morada. Era um blogue. Fui duro com ela. Exigiu-me resgate. Abdiquei logo de todos os princípios, e aceitei o suborno do resgate exigido. Que teria de ficar com o macaco até depois do Natal. Aceitei. Mas, ai dela se mo enfeitiça e não mo trata bem. Dou-lhe uma coça a ela, e outra ao macaco.
Só lhes contei isto para que saibam que há sempre alguém como as velhinhas a querer-nos bem; que os responsos são coisa bem séria; que neste mundo há muita gente má; mas que também há gente muito boa a fazer frente à que é má.
:-)

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

O Natal e o responso.

1.
É segunda feira. Daqui a uma semana é o natal - foi o que umas velhinhas me disseram.
Não se esqueça daquele telefonema que anda para fazer há muito tempo; não deixe para o último dia aquelas comprinhas que são mais de afectos que de materialismo consumista e exibicionista a cumprir obrigação.; não compre coisas à toa; As coisas mais valiosas são sempre as que levam o sentimento e o pensamento, e não o capricho de coisa que se tem que dar porque a pessoa quer.

2.
Já soube mais novidades acerca dos computadores maníacos e do macaco rebelde. Mas contarei mais logo, quando tiver mais um tempinho. Foram umas velhinhas que me ensinaram a como descobrir coisas perdidas, usando um método antigo. Antigo, mas infalível. Foi o que elas me disseram; foi o que elas me provaram, rezando um responso.

3.
Na verdade, só vim aqui para lhe dar um "bom dia", que, a esta hora, e neste dia, é o mesmo que desejar-lhe que tenha uma semana feliz.

:-)

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Deve ser impressão minha

1.
Penso que já respondi a (quase) todos os comentários. Acabei agora mesmo de responder aos últimos que apareceram no Tempo, em O gato que matou o cão.
Relativamente a estes últimos, e também a todos os outros, as minhas desculpas pela demora.
Vocês não querem ir lê-los? Não? Pois, se não querem, não querem! Mas eu vou anotar quem não vai. E depois vamos a ver a decisão que vou tomar.

2.
Agora só mais uma coisinha: vocês já pensaram na hipótese dos computadores que nós temos não serem todos iguais? Não se trata de formatos, nem mesmo de capacidades, que isso é coisa banal e bem fácil de se ver.
Eu quer-me cá parecer que anda aí conspiração para a distinção ser maior. Pensam que estou a brincar? Mas olhem que eu quase podia dizer-lhes da grande subtileza que essa distinção contém.
É cá uma impressão minha, sustentada em indícios que às vezes por aqui vejo. Mas não lhes digo mais nada: não iam acreditar; ou iam-se até assustar.
Não percam a tranquilidade. Pode ser só impressão minha, ou boato insinuado. Mas se for mais do que isso, não digam que não fui amigo, e que não os avisei.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Espiral *

Onde está o nada, e no nada o tudo?
Onde está o tudo, e no tudo o deus?
Onde está o deus, e no deus o tempo?

Onde está o tempo, e no tempo o espaço?
Onde está o espaço, e no espaço o fogo?
Onde e está o fogo, e no fogo o ar

Onde está o ar, e no ar a luz?
Onde está a luz, e na luz o brilho?
Onde está o brilho, e no brilho o mar?

Onde está o mar, e no mar o barco?
Onde está o barco, e no barco o homem?
Onde está o homem, e no homem quê?

E no quê o homem
E no homem barco
E no barco o mar?

E no mar o brilho
E no brilho a luz
E na luz o ar?

E no ar o fogo
E no fogo o espaço
E no espaço o tempo?

E no tempo o deus
E no deus o nada
E no nada o tudo?

...
* Com uma arma de afectividade apontada à cabeça, fui mesmo obrigado a fazer a vontade ao macaco. Telefonou-me de parte incerta. Discutimos muito.

-Publica já os dois coisos juntos!; - Coisos? - Sim, os poemas! Queres irritar-me?; -Não! Calma aí!; - Põe um a seguir ao outro, tal como estão. - Mas assim ficas um autor pesado!; - O quê? Estás a chamar-me gordo?; - Não! Que ideia! Vou só aligeirar a segunda parte, dando-lhe um ritmo leve, mais de baloiçar!; - Baloiçar? Tu disseste baloiçar? Estás a insinuar que eu sou macaco a baloiçar em árvores?; - Não! Que coisa! Mas como é que te foste lembrar?; - Não me lembrei nada. Dá-lhe lá então esse tal ritmo leve, mas, pelo sim pelo não, tira o baloiçar!; - E que queres que ponha?; - Inventa lá qualquer coisa, mas baloiçar, isso não, que podem pensar, tu sabes o quê!; - Em vez de baloiçar vou pôr embalar, está bem?; - Embalar está bem! E deixa-te de tretas, que o embalar comove-me!; - Queres voltar para a Casa das Letras?; - Sim! Mas não te vou dizer que quero!

E desligou. Mas eu bem lhe ouvi uma lágrima a cair para mim. E publiquei o texto, que juro que é dele.

Comentários a comentários

Um tal Alcoviteiro disse, num comentário em "Vou ter que lhe dar uma coça" - texto que está no Tempo -, que alguns dos meus comentários aos comentários são melhores do que alguns textos.
A verdade seja dita: o Alcoviteiro tem razão. Eu já estive para avisar, mas não me ficava bem. Por isso fui esperando que aparecesse alguém que o fizesse por mim. E apareceu o Alcoviteiro.
Por isso, façam o favor de lerem os comentários que escrevo, que sendo induzidos pelos comentários de uns, são escritos para todos. Alguns valerão a pena. Mas se acaso a sua leitura for uma perda de tempo, você poderá sempre chamar-me uns nomes bonitos.
Até logo, sim?
:-)

Nota: A fotografia no Tempo é linda, e fui eu que a tirei, e vai ter um pequeno texto.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Vou armar-lhe uma cilada

Peço imensa desculpa pelo acontecido no Vou ter que lhe dar uma coça, ontem publicado no Tempo. Já o alterei várias vezes, a ver se amenizava a rudeza do macaco, mas quanto mais o altero, mais rude ele fica . Já viram como me enganou? Já viram como me trata? E os nomes que me chama? Eu nem quero acreditar. E dizer-se que o criei!
Eu sei que a culpa não é bem dele. É mais de quem o inventou. E não se ponham com esse olhar silencioso e crítico viradinho para mim, ouviram? Eu sei que lhe dei o ser e o criei, mas não o criei assim. Quem o criou assim foram vocês, com as manias que lhe ensinaram, com os truques que lhe mostraram, com as simpatias que lhe deram, com as promessas que lhe fizeram. E principalmente daquelas que, sem escrúpulos e manhosas, o embeiçaram, tornando-o quase imbecil.
Eu já tinha dito aqui, que ele andava apaixonado. Logo, que andava doente. E até acrescentei que eu o ia curar. Mas nunca imaginei que a doença era assim forte. Tão, que eu já duvido se aquilo é doença de paixão, ou se de feitiçaria. Mas seja qual for a origem da loucura que se apossou dele, eu sei que o vou recuperar. Mas da coça não se livra, pois aquilo que ele me chamou, no texto já referido, não se pode perdoar. E eu não sou pai banana, não sou professor banana, nem sou amigo banana.
Eu vou fazer constar por aí que chegou aqui para ele uma carta apaixonada, recheada de palavras e de promessas bonitas, e com uma fotografia que também é muito linda; e também vou fazer constar que a fotografia vem vestida, com umas pecinhas de seda, mas que a maior parte das vestes é constituída por pele. Ele vai voltar a mim, que ele vai desejar vê-las: a ela, à sedas e à pele.
Só tenho que arranjar a carta e a fotografia, tais como eu disse que eram. A carta, isso é fácil, que essa sei eu escrever. Ora agora a apaixonada, toda vestida de pele, exceptuando apenas as pequenas peças de seda, isso vai ser mais difícil. Mas algo se há-de arranjar.
Ele acha-se muito esperto, mas vai cair neste truque, que nem pato em braseiro.
Vocês não lhe digam nada, que eu só o quero enganar, para lhe dar a tal coça, e para depois o curar. Que eu gosto muito dele, e só lhe posso querer bem.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Onde está o quê? *

Onde está o quê, e no quê o homem?
Onde está o homem, e no homem barco?
Onde está o barco, e no barco o mar?

Onde está o mar, e no mar o brilho?
Onde está o brilho, e no brilho a luz?
Onde está a luz, e na luz o ar?

Onde está o ar, e no ar o fogo?
Onde está o fogo, e no fogo o espaço?
Onde está o espaço, e no espaço o tempo?

Onde está o tempo, e no tempo o deus?
Onde está o deus, e no deus o tudo?
Onde está o tudo, e no tudo o nada?
........
* Este texto tem diferenças relativamente ao que está no Tempo; poderei juntar os dois; se tal acontecer, não decidi ainda qual ficará primeiro; se os juntar, haverá modificações; o títulos serão também alterados; por que diabo não parei no primeiro?; tinha o problema resolvido, não tinha?

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Escadas da vida

Regressarei hoje aqui com um pouco de mais tempo. A ausência de dois dias deveu-se ao fim de semana. E vocês sabem também que andei à procura do tal.
Encontrei-o na sexta-feira. Tinha que ser. Ameacei-o e, logo no sábado , até me acompanhou a Montebelo, em Viseu. Mas seguiu-me sempre à distância, fingindo o tempo todo que eu não sabia dele; e eu fingindo todo o tempo que ele não sabia de mim. Ele é duro de roer; mas eu também não sou mole.
Ele anda preocupado. Quer dizer-me qualquer coisa. Quer dizer-me, ou quer pedir-me. E eu até já desconfio qual a coisa que ela é. Vou ter que ter muito cuidado, na resposta que lhe der. É que as respostas são escadarias que podem fazer da vida, ora um céu, ora um inferno. E nem sempre é muito fácil distinguir umas das outras. E mesmo quando as distinguimos, ainda somos tentados a seguir pela errada. Vou ter que ter muito cuidado com a resposta que der ao meu amigo macaco. Que eu quero-o no céu, mas não na forma de parvo.
Mas voltarei mais logo aqui, que agora tenho que ir.
E tenha um muito bom dia!

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Na linha da frente

Hoje, quando cheguei à Casa das Letras, fiz como sempre faço: fui de sala em sala, de estante em estante, de gaveta em gaveta, a ver se via o macaco. Há uma voz que me diz que ele anda aqui por perto, ou até em mim. Percorri os cantos todos, mas nem sinal dele.
Resolvi vir aqui ao computador, contentando-me ao menos com o seu retrato. Mas, qual quê? Já não está na página. Foi então que o meus olhos caíram num papel escrito com uma caligrafia, apressada e disfarçada, que era a dele, e que rezava assim:
Li tudo o que foi escrito sobre os mandaretes: as alegorias, que fingiste não serem, para que todos soubessem que eram; as alegorias, que outros escreveram, dando força às tuas; os teus comentários, que embora críticos, são bem comedidos; os comentários dos outros, reforçando os teus, e bem melhores que os teus.
Depois de ler tudo, até concordei. Mas soube-me a pouco. Pus-me a pensar por que motivo me sabia a pouco. E descobri: falta-vos a alma; falta-vos a utopia; falta-vos a grandeza; falta-vos a coragem; falta-vos o sonho; falta-vos um rumo. Mas a mim, não, que, como bem sabeis, estou apaixonado. E só a paixão é que nos ilumina, e nos enche o peito duma força tal, que nada nos impede de avançar em frente, perseguindo sempre os ideais mais nobres.

A minha paixão, que reconheceste, obriga-me a avançar. Por isso estarei na linha de frente, marcando presença contra os mandaretes; contra todos eles, estes ou outros, que estejam na fila para apanhar lugar; contra os mandaretes que se refastelam, em manjares megalómanos de esbanjamento, sentados à mesa do orçamento, que todos nós pagamos com língua de palmo; contra os mandaretes que, hipocritamente, vão deixando cair, aqui e ali, umas migalhas, pensando, na sua infinita bondade, que as pessoas sofridas são ratos; contra os mandaretes que, despudorados, ficam irritados por não aceitarmos a condição de ratos e por protestarmos e não batermos palmas e não abanarmos rabos.
Contra os mandaretes, na linha da frente. Por mim e por vós, mesmo que não concordeis; por mim e por vós, os que não podeis, porque o ordenado é pouco, porque o emprego é arbitrário, porque justamente temeis retaliações, ou, muito simplesmente, porque não sabeis da massa de que são feitos estes mandaretes, nem dos traumas da incompetência que têm.

E, para começar, hoje faço greve, que a minha paixão de povo me obriga a estar na linha da frente.
Depois de ler isto, eu fiquei varado. Tenho que ir com ele. Estar ao lado dele. E ele vai gostar de me ver a seu lado.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Activista e agitador

O macaco passou por aqui e deixou-me uma mensagem. E fez-me uma intimação para que eu a publicasse. Ele virou activista. Activista e agitador. E como ele é inteligente, ainda o podem prender. Vou ter de pensar melhor. Mas tenho que pensar depressa, a ver se o posso salvar.
Até breve.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

O macaco anda perdido

O macaco anda fugido. Tenho andado a procurá-lo. Por isso, não tive tempo de dar qualquer seguimento à história que é a dele. Eu já sei por onde ele anda, mas não consigo deitar-lhe a mão. A culpa, vocês sabem bem, é dumas certas pessoas que usam de todos truques que o encantamento inventou.
Se você quiser saber por onde é que ele anda perdido, eu digo-lhes o sítio exacto: ele anda nos comentários, que se foram espalhando, pelo texto ali em baixo; e noutros doutros ainda. Eu também escrevi lá os meus.
É só abri-los e lê-los.
Ele manda-lhes um sorriso. E eu, para não ficar para trás, mando um também dos meus.
:-)

sábado, 24 de novembro de 2007

Anda apaixonado, mas eu vou curá-lo

O senhor macaco é mesmo um perito. Peça central da minha manobra secreta, ele foi exímio na sua eficácia. Eu agradeci-lhe em forma de texto, fazendo justiça à sua figura. Não exagerei nada, embora pareça, na descrição que fiz dele em O macaco e eu.
Eu sei muito bem que ele é curioso, e vai de sala em sala, de estante em estante, de gaveta em gaveta, vasculhando tudo na Casa das Letras, que é um sítio nosso. Tudo o que eu escondo, tudo ele encontra. Mostrei-lhe, então, O macaco e eu, até porque o texto era para ele, e não vale a pena esconder-lhe nada.
Despachou o primeiro parágrafo duma assentada, como que só a fazer-me a vontade. Atirou-se ao segundo, e foi avançando atento, cada vez mais lento, até estacar, numa concentração total, quando o terminou. Titubeou, quase imperceptível, com a emoção, num tremer de lábios. Olhou para mim. Tinha no olhar um brilho de água lustral, tão de humanidade. Eu sorri-lhe meigo. Caiu-lhe então o olhar, turvado de névoa, no terceiro parágrafo, todo desfocado. Para o ajudar a chegar ao fim, apontei-lhe com o dedo, palavra a palavra, que eu ia sussurrando para ele ouvir, como se fosse ele que estivesse a ler.
Quando terminei, ele descompôs-se todo numa emoção franca. Atirou-se a mim. Apertou-me os ossos em ímpeto de abraço muito apertado. Fez das minhas costas tambor ressoante, com a emoção a escapar-lhe em ritmo das suas mãos agitadas. Pescoço inclinado, encostado ao meu, escondia as lágrimas, e emitia uns sons sincopados, que eram juras de agradecimento, e de amizade, e de dedicação eterna e inteira, até ao fim dos tempos. Assim são os homens. Uns sentimentais. Quando a emoção os liberta.
Vou ficar por aqui. Mas já lhes contei que ele anda estranho. Anda mais distante. Até parece que já não quer ser eu. Já sei o que foi. Já descobri tudo. Ele leu qualquer coisa. E acreditou. Alguém o seduziu. Anda apaixonado.
Mas depois lhes conto. E não se preocupem, que o vou curar. Já sei a doença. Já sei a culpada. Que até podem ser várias. Sei o diagnóstico. Elas vão pagá-las. Não se preocupem, que eu vou curá-lo. Elas vão pagá-las.
:-)

A culpa foi dela

Bom dia.

Deixarei aqui um texto, ainda hoje, em que vou pôr a careca ao léu ao macaco. Ele caiu no truque mais velho e mais lindo do mundo. Eu bem o avisei. Mas ele olhou para mim e disse-me, como se fosse eu:
- Olha quem fala!
:-)

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

O ler faz mal

Bom dia!
Vocês nem queiram saber. O macaco agradeceu-me, emocionado, as palavras que lhe dei, jurando-me eterna dedicação inteira. Assim são os homens. Uns sentimentais. E amigos para sempre.
Mas algo estranho está acontecer. Ele já não está tão solidário comigo. Está mais distante. E até parece que não quer ser eu. Ele deve ter lido qualquer coisa que não quer partilhar comigo. Assim são os homens. Uns ciumentos. E amigos, amigos, beijos à parte.
Vou pensar melhor. Mais tarde lhes conto. Mas se for verdade o que eu suspeito, fica provado que o ler faz mal.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

O macaco e eu

Ninguém vai comentar com desdém, ou sequer insinuar menos apreço, acerca daquele senhor, que apareceu aqui em baixo. Não sei donde ele surgiu. Nem que veio aqui fazer. Mas caiu-me cá em casa, e vou deixá-lo aqui ficar.
Até porque ele aparece com aquele ar pensador, agora tão em desuso; com aquela esperteza no olhar calmo, que se vai tornando rara; com aquelas rugas sábias, de paciente ironia; com aquele sarcasmo tão leve, que chega a parecer que não; com aquele gesto enrolado de mão, sustendo elegante o queixo; com aquela linha de sombra leve, naquela junção de lábios, ondeando a sorrir.
Tem tudo o que parece, este antropóide bonito: a sageza paciente, a elegância natural, a ironia inteligente. Ele é o que parece
Vou ficar mesmo com ele. Não sei bem qual o motivo, mas, para além do que já disse, há um não sei quê, no seu perfil encantador, que me diz para o fazer. E se não fosse cá por coisas, diria até que sou eu. Mas não digo que não posso, pois não quero que me acusem de me estar a engrandecer.
:-)

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Uma boa intenção

Tenho a santa intenção de deixar-lhes, ainda hoje, um pequeno texto sobre aquele respeitável senhor que está aqui em baixo.
Não o deixo agora, que está por acabar; e quando o acabasse, iria alterá-lo.
Vocês, por maldade, iam protestar, claro! Sem qualquer razão, mais claro ainda! Por isso, não o deixo aqui agora.
Mas deixo-lhes a tal boa intenção, que já leva ao céu.
É o que dizem!
:-)

domingo, 18 de novembro de 2007

Sim e não, eis a slolução

...
in Amanhã - Aventuras num mundo incerto, de Bradley Trevor Greive*, artepluraledições, 1ª. edição, 2004, p. 8
*Natural da Tasmânia; vive em Sidney, na Austrália; gosta de animais; ver
www.btgstudios.com

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Eles já vão ver!

Isto é para todos aqueles e aquelas, anónimos ou sucedâneos, que se unirem do lado de lá - em forma de legião conspirativa, céptica e malévola -, contra a minha frágil, crente e inocente pessoa, que está heróica e sozinha do lado de cá. Sendo para todos esses, é principalmente para os dois "Anónimos" e para a Ibel - autores dos três últimos comentários deixados em Boatos e Alegorias, no pobre e indefeso Tempo -, pois eles podem bem ser os chefes da impiedosa e exigente conspiração. Mas é para si também, que, como eu, é inocente e não tem malícia, só para que veja como eles são maus, e como eu sou bonzinho, e como se devem pôr todos do meu lado, rezando por mim. Eu nem ponho aqui os comentários que eles fizeram. Mas eles estão lá, no sítio deles.
Dirigir-me-ei primeiro aos tais dois "Anónimos", como se só estivesse a falar com eles, estando, na verdade, a falar com todos.
- Falo para os dois, mas desde já juro não estar a insinuar que vocês os dois sejam dois em um. O que é isso de me chamarem perito na arte da fuga? E que é isso de me vestirem de barbas de maliciosa inocência? E que é isso de irem aos mares buscar temporais para me retardar?Eu aprecio "A Arte da Fuga", mas não sou fujão; a minha inocência é proverbial, mas, às vezes, tenho que pôr as barbas de molho, por causa da malícia que inventam em mim; os temporais do mar entram-me na alma, assim como a acalmia que eles depois trazem.
Há ainda a Ibel. E a essa não perdoo mesmo, que me fez pensar estar do meu lado, quando, afinal, também está do lado de lá. Bem me enganou! E eu só no fim é que percebi a figura que fiz no que lhe escrevi. Ora vejam bem:
- Ainda bem que você acredita na minha inocência, bem comprovada na coelha branca e no galo em poses de; poses essas que, como diz, e bem, não suscitam nada. Mas as más línguas cépticas não se conformam; não acreditam; só vêem naquilo o que querem ver, e que é o que lá está.Até a cria se põe contra mim. E é sempre assim. Em vez de se pôr do lado de cá, põe-se sistematicamente do lado de lá. E, depois, ainda se ri da habilidade.Eu acho que você também se está a rir agora. Ai, o diabo! Não me diga que também está com os do lado de lá e, porque me sabe inocente, esteve a gozar comigo.Ai, ai, ai,ai, ai ,ai!
Estes anónimos, e esta Ibel, que teimosos são! Tenho que livrar-me deles, e da sua pressão. Nesta brevidade que me envolve, não posso, agora, dar-lhes a história que, provocatórios, merecem e querem.
Mas eu já lhes digo: vou engendrar, com muito cautela, uma infalível manobra de diversão. Vou iludi-los. A eles e aos deles. Mas a você não.
Nem vão dar por ela! Eles já vão ver! E vocês também.

Nota: Esta nota só deve ser lida pelos que estão do lado de cá; e não digam aos outros, aos do lado de lá, que este texto é já ele em si uma manobra de diversão; mas é só para os iludir; não é a verdadeira; não lhes digam nada!

Bichos teimosos

Vim aqui para lhe deixar aquele tal "Bom dia!", que você merece, e me dá prazer. Mas, uma vez que vim - só para lhe oferecer a simpatia deste meu "Bom dia!" tão especial -, aproveito para lhe dizer que os tais animais já moram aqui há tempo demais.
A culpa é toda do Tempo que , envaidecido, se deixou enrolar na corda do tempo que lhe foram dando. Nós, as Peles, vamos tentar resolver definitivamente a questão. Não vai ser fácil. Mas também temos nisto alguma responsabilidade. Afinal, fomos nós, as Peles, que publicamos a fotografia que o Tempo escolheu.
Eu, cá por mim, voltarei aqui: voltando ao assunto; e voltando a si.
Deixo-o agora com esta promessa tão de manhã, e repetindo o propósito primeiro que me trouxe até aqui:
- Bom dia! Especialmente para si.
:-)

domingo, 11 de novembro de 2007

São nada! Isso é loucura!


in Amanhã - Aventuras num mundo incerto, de Bradley Trevor Greive*, artepluraledições, 1ª. edição, 2004, p.20
*Natural da Tasmânia; vive em Sidney, na Austrália; gosta de animais; ver www.btgstudios.com

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Amazona e guerreira

Com o texto Andará a loucura à solta?, publicado aqui nas Peles, pretendi essencialmente lembrar-lhes uma grande obra - O Alienista -, de um grande escritor - Machado de Assis. É uma boa leitura, a todos os títulos. O resumo do enredo que deixei no Tempo é muito pobre, se comparado com a leitura do livro. Façam a experiência, e depois falamos.
Aproveitei também para lembrar a questão real que se põe acerca do Português de Portugal e do Português do Brasil. Não há que temer discutir o assunto. Há é que discuti-lo com lealdade e saber. Sem precipitações. Sem nacionalismos descabidos. E isto refere-se a todas as partes, a começar pelos portugueses. Para bem da língua. Para bem de todos.
Ao contrário do que possa parecer, através das considerações laterais que teci a este propósito em Andará a loucura à solta?, eu acho que nos devemos manter abertos para discutir todas as hipóteses, e todas as razões que estão por detrás dessas hipóteses. E devemos estar dispostos a considerar e a aceitar argumentos seguros opostos aos nossos.
É claro que, se leram o meu texto, sabem muito bem qual a dama que defendo - a Língua Portuguesa. Defendê-la-ei sempre. E se se abrasileirar, eu irei atrás dela. Porque, se gostarmos dela, todos os que a temos, quanto mais brasileira, mais portuguesa; e, quanto mais portuguesa, mais brasileira. A diversidade em unidade será sempre enriquecedora; a diversidade centrífuga, essa talvez não.
Eu, que penso e sinto em português, só posso agradecer aos brasileiros as sonoridades novas que deram à língua que falo ; os ritmos ondulantes que lhe avivaram; as palavras novas que lhe inventaram; a importância socio-cultural imprescindível que lhe acrescentam e dão.
As nossas diferenças, acrescidas das de outras paragens ainda, são afluentes cantantes - umas vezes teimosos, outras vezes rebeldes, e até renitentes -, mas que irão desaguar sempre ao grande Amazonas que é a Língua Portuguesa.
Seria uma pena se esses afluentes se separassem; seria uma pena se o nosso Amazonas se transformasse num rio vulgar. Eu acredito que ainda há amazonas no grande Amazonas que é a língua nossa. E, embora não pareça, elas não vão deixar que tal aconteça.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Andará a loucura à solta?

Deixo-os aqui com O Alienista, de Machado de Assis (1839 - 1908). Tenham cuidado. A sua morte foi anunciada. Mas nunca fiar. Ele pode apenas estar a experimentar uma nova teoria sobre a loucura. Acautelem-se, pois!
Já há tempos que queria pôr este livro aqui. E até falar dele. Fui adiando. Hoje decidi-me. Ele aqui está. Mas não vou falar dele. Se o ler verá que não é necessário. Ele fala por si. E se já o leu, faça como eu: leia-o outra vez, e outra, e outra.
Como é por de mais sabido, o Machado de Assis é brasileiro, de pai português e de mãe mulata. Sobejamente sabido é também o facto de ele ser um dos primeiríssimos entre os primeiríssimos autores da Literatura de Língua Portuguesa. Disse bem: Literatura de Língua Portuguesa. Não me enganei.
Sei que há quem sustente aquela ideia peregrina de que o falar português à moda do Brasil é já outra língua. Ou, se não é, que virá a ser. Há quem sustente o mesmo com o falar inglês à moda dos Estados Unidos da América do Norte. Os argumentos também são os mesmos. Mas não têm razão.
Os peregrinos dessa tal ideia dão-nos argumentos empolados de grandes roupagens. Mas, quando despidos, não têm peso bastante. Eu compreendo-os. Baseiam-se muito em estatísticas de espaço e de gente; baseiam-se também muito na sua própria vontade, cuja grandeza é inversamente proporcional ao peso dos argumentos que apontam. Mas as estatísticas voluntariosas, regra geral, são enganosas; dão-nos aquilo que já sabemos e queremos provar; ou o seu contrário, caso mudemos de ideias. São muitas vezes um verdadeiro absurdo, uma arbitrariedade, uma caricatura. São como aqueles referendos, cujo resultado não está tanto no voto, mas está muito mais no modo de perguntar.
E onde é que entra aqui O Alienista? Não entra. Mas eu faço-o entrar. Porquê? Porque quero, e porque a sua actualidade mo permite; mas, da actualidade poder-se-á falar depois. Então, não foram forçadas as considerações acerca daquela coisa das "línguas" e dos "argumentos"? Claro que foram. Mas eu avisei, lá em cima, no segundo parágrafo que não ia falar do livro. A culpa foi sua, que não acreditou. Você não tem vergonha? Não pode ao menos apontar duas razões para a sua demagogia? Ora aqui vão elas: primeiro, o Machado de Assis é brasileiro, mas escreveu o livro em português; segundo, o protagonista d' O Alienista é um homem de ciência, e também usa a estatística.
Para terminar, que isto vai longo, volto ao princípio, que é o essencial: acautele-se, que anda a loucura à solta; e leia O Alienista, que isso é que importa.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Grande mestre é o tempo *

1 -As Palavras ditas, que hoje deixei no Tempo, e como facilmente se percebe, eram para ser publicadas a seguir à carta que está logo em baixo. Não o fiz porque, assim de repente, achei mais simples e mais simpático o pequeno texto que lá escrevi. E acho que achei bem.

2 - Penso, contudo, que as Palavras ditas também cabem lá, junto às Palavras escritas, que estão no Tempo. Por isso as deixei tal como estavam, e eram para ficar, no dia em que as escrevi. Acrescentei-lhes apenas os dois últimos parágrafos. Nem fariam falta. Mas nunca se sabe.

3 - Desculpar-me-ão aquelas frases em inglês. Mas há certos momentos que, se vividos intensos numa outra língua, é essa língua que no-los traz à memória, quando nos lembramos deles. Sei que entenderiam. Mas mesmo assim traduzi, à minha maneira, porque sou português, e sou português nesta língua que é nossa. E também para dizer que não é assim tão transcendente, como no-lo querem dar a entender, ter de se saber inglês.

4 - O texto baseia-se em momentos reais, amaciados pelo tempo. Mas eu desconfio daquela realidade que dizem que é nua e crua. Nunca é assim, que nós, ao vivê-la, amassamos nela tanto o que sentimos, como o que sabemos. E, quando a narramos, mais nos metemos nela, escolhendo os momentos, escolhendo o espaço, escolhendo os termos, escolhendo a harmonia com que com que os compomos na pauta da escrita.

5 - Grande mestre é o tempo. Ensina-nos, paciente, a joeirar a vida, apurando o ouro do sentimento e do pensamento. Assim o queiramos. Em tempo útil. Para nosso bem. Para bem dos que connosco se cruzam. E porque o tempo é mestre, no seu joeirar, os dois últimos textos sobre o meu pai, que deixei no Tempo, não me causam dor. Antes memória terna, que reconforta e brinca, que oferece rosas, e sorrisos marotos, com piscares de olho.

*Um cumprimento muito especial para o João Manuel Campos, que não tenho o prazer de conhecer. Foi ele que me "obrigou" a publicar no Tempo as Palavras ditas. Encostou-me à parede com dois argumentos: que o meu pai merecia que eu as pusesse lá; e que ele gosta da minha escrita. Que querem? Eu poderia lá resistir a tais argumentos?

sábado, 3 de novembro de 2007

Sentados no cérebro a abanar o rabo

Não gostaram nada do Homo simplex. Fizeram muito bem. É que se tivessem gostado a coisa ia ficar feia. Para as Peles e para o Tempo.
Foi o que me disseram de vários lados e por várias vezes. Uns de viva voz. Mas a maior parte dos avisos foram feitos por telemóvel. Ele tocava, eu atendia, e lá estava uma voz que dizia e dava risinhos:
- Não estás a ouvir uns barulhinhos? Sou eu, um dos ajudantes. Estou a escutar-te.
Perguntei-lhe se não era costume fazerem as escutas sem aviso prévio, e ela disse que sim. Perguntei, então, qual a razão de me avisar a mim. E ela respondeu, alegre e contente:
- É para agradecer aquela coisa do rabo e do cérebro. Nem todos reconhecem as nossas qualidades. Não percebi muito bem aquilo do cérebro na cadeira, nem aquilo do rabo a abanar, mas isso é um pormenor. E só pode ser coisa boa.
Disse-me que também ia telefonar ao Tempo. E, para ficar sossegado, que, como ninguém liga ao que eu escrevo, ia anotar, no seu relatório secreto, que eu poderia, eventualmente, continuar a falar. E, depois, num tom já mais camarada:
- Olha! Mas vou continuar a escutar-te. Para ver se voltas a falar dos nossos rabos agitados e dos nossos cérebros sentados. Gostei daquilo! Não percebi muito bem, mas gostei. Aquilo só pode querer dizer que os nossos rabos são elegantes e ágeis na sua função natural; e que os nossos cérebros, de grandes que são, mudaram de lugar, e nos sentamos neles, para abafar os sons, mas o cheiro não, quando deles se solta um pensamento nosso.

Nota: Isto preciso dum arranjo ainda; mas, para já, fica mesmo assim.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Homo simplex

Ele teme muito que se possa manchar a sua figura tão construída, que tanto lhe custou a criar, e que tanto lhe custa a manter. Teme-se particularmente de personagens capazes de crítica.
Em tom de chacota, a disfarçar receio, chama-lhes fictícias, como, por exemplo, Peles e Tempos, que isso não é nome de gente; no juízo dele, as verdadeiras, essas são as que o adoram, e só essas são gente.
Ora, essas senhoras Peles e esses senhores Tempos andam por aí a dizer mal dele: quando ele aparece, eles lá estão elas e eles, de crítica afiada, a denegrir-lhe a imagem; quando ele fala, lá estão elas e eles, de lição estudada, a dizer que ele mente; quando ele escreve, lá estão elas e eles, de insinuações malévolas, a dizer que não foi ele; quando ele promete, lá estão elas e eles, sempre a dizer que ele não cumpre. Sempre elas primeiro; sempre eles depois.
Depois de muito ouvir, irritou-se. E, como não tinha respostas para dar, disse para si mesmo à socapa, num dia em que estava no seu gabinete a fazer exercícios de colocação de voz:
- Tenho que calar esses arremedos de gente; tenho que calar essas Peles; tenho que calar esses Tempos.
Fez uma pausa, dado o esforço que lhe exigiu o dizer; limpou o suor, num gesto estudado; e continuou pensativo:
- Os que os ouvem, às Peles e aos Tempos, ficam a saber, já que, mesmo quando não usam grandes argumentos, dizem o que sentem, e falam verdade. E os que os ouvem, e ficam a saber, podem muito bem ir contar a outros.
Fez outra pausa, muito mais cansada, doutro tanto esforço; foi ao espelho que disse bem dele; perguntou ao cão, e ele disse que sim; ficou animado, e saiu-lhe esta pérola a sorrir:
- Tenho que os calar. Não por acto censório, que eu sou democrata, mas para bem deles, e para proveito meu e dos meus, e a bem da nação.
De seguida, abriu a janela que dava para o seu quintal e assobiou. Ao primeiro assobio, os seus ajudantes acorreram arfantes, com a língua pendente, salivando contentes, de rabo a abanar. Como deve ser. E ele ordenou-lhes, então, com aquele tom de autoridade, que os assessores bem pagos, e os jornalistas amigos, dizem que ele tem:
- Ide e procurai-me as Peles; as Peles e o Tempo; quero resultados; quero estatísticas. De sucesso, ouviram? E tragam-me soluções para lhes cortar a voz. Radicais, ouviram? E agora levantem lá, dessas cadeiras minhas, esses cérebros vossos em que vocês se sentam, e toca a despachar. Já!

Nota: Hoje as Peles e o Tempo não sou eu; sou eu e sois vós; somos nós.

domingo, 28 de outubro de 2007

Somos filhos da madrugada

Porque inscreveram teu nome nas conchas da praia
Siringe branca serás
De heróicas canções matinais

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

José Afonso morreu, mas os sonhos não

A Maria Eduarda Taveira Barbosa - assim se assina -, teve a amabilidade de me fazer chegar ontem às mãos, por interposta pessoa, o suplemento Cultura, do Diário do Minho, de 17 de Outubro. Ela publica, nesse Suplemento, um artigo, Balada de Outono, que é uma evocação emotiva de José Afonso, poeta e cantor.
Nessa evocação sentida, ela fala dela e dele, falando com ele, mas de tal modo que a emoção não perturba a escrita.
Isto, para além da simpática dedicatória que ela escreve a tinta, por cima do título, chamando-me, imerecidamente, “amante da liberdade”, seria o bastante para eu ler o texto atento.
Há, ainda, nesse seu texto, dois momentos que particularmente me tocam. O primeiro é quando a autora cita o seu amigo Daniel Sá: Quando ele morreu, eu ouvi a notícia na rádio, cheguei à escola (minha mulher já estava na sala), e disse-lhe só isto - “Já morreu!”. O segundo momento acontece quando ela fala numa vitrina, onde vê não sei se um cartaz com a imagem do José Afonso, ou com a letra duma canção dele, ou as duas coisas, e, ao vê-lo, desata a cantar: Águas das fontes calai / Oh, ribeiras, chorai / Que eu não volto a cantar.
Como o Daniel Sá, também eu ia de carro, quando ouvi a notícia. Um fogo no peito começou-me a queimar, e duas lágrimas quentes rolaram-me mansas. Não eram tanto pelo poeta e cantor. Eram mais por mim. Eram mais por nós. Ele eram poemas, ele eram canções, ele eram bandeiras; ele eram sonhos, tão sem rumo já, mas tão multicores, que negros abutres iam disputando, mascarando-se das cores que traíam.
Não podia ser. E eu reagi. Desandei para a berma. E parei o carro. Rapei da carteira de fósforos, e rabisquei na capa uma frase que tinha uma causa - que eram os abutres; e um desejo profético – que eram canções grávidas de sonhos. À noite, em casa, o telefone tocava e dizia – O José Afonso morreu! ; e eu respondia - Mas os sonhos não!
As Águas das fontes calai / Oh ribeiras chorai , essas trazem-me à memória as imagens do último concerto em que o José Afonso literalmente cantou Que eu não volto a cantar. Ele sabia que não era um adeus, mas sim o adeus. E todos sabiam. E ele cantava, dizendo adeus sem dizer adeus; e o palco, que era feito de gente, também cantava, dizendo-lhe adeus, sem dizer adeus; e a plateia, que era um mar de gente ainda com vaga, cantava, dizendo-lhe adeus sem dizer adeus. Não era preciso, que a canção bastava. E essas imagens levam-me a outras personagens com quem me cruzei pela vida fora. Mas isso é já outra história.
Para terminar, a Maria Eduarda Taveira Barbosa, socorrendo-se de palavras de Urbano Tavares Rodrigues, diz: José Afonso é a primeira voz da massa que avança em lume de vaga. É uma pena que agora a massa seja surda e muda, não avance e recue, em vagas rasas e escuras. Mas o mar é sonho. E o sonho não morre. E eu sei que um dia ele vai acordar de marés mais vivas.

Nota: 1 - Eu sei que o texto é longo e que demora a ler, mas o que é que esperavam?; 2 –agradeço à Maria Eduarda Taveira Barbosa, o artigo, a dedicatória e a oportunidade que me deu para tecer estas considerações; 3 – agradeço a todos a paciência da espera, e a paciência de lerem, se é que a tiveram.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Um hábito que é "Bom dia!"

Tenho o hábito de dizer sempre "Bom dia!", seja lá a hora que for. É uma mania que eu tenho, cá pelas minhas razões, e que provoca reacções, ora de cores de vistas largas, ora doutras mais bem curtas. Delas também sei as razões. Mas as razões de que falo são toda uma outra história, de que um dia falarei.
Agora já nesta hora, o que lhes posso deixar é mesmo um "Bom dia!" sonoro.
É um cumprimento banal, se dito com displicência, apenas por desfastio, apenas por obrigação, apenas para marcar o ponto, apenas por distracção.
Não é tal o que aqui deixo, agora já nesta hora, para si que aqui já veio, e encontrou fria e vazia, a página que merecia, com um "Bom dia", só para si. E o mesmo para si também, que se atrasou um pouco mais, e só agora aqui chegou.
Um "Bom dia" para vocês. Mas não o deixo vulgar, que vulgares vocês não são. Deixo-o com simpatia, e um sorriso nos lábios, manifestando o desejo que ele seja mesmo bom, e lhes traga alegria, e boa disposição. Mas se não puder trazer tudo aquilo que vocês merecem, que lhes traga ao menos parte, mesmo que muito pequena, das coisas que lhes desejo.
Mas não fiquem aí especados, à espera que tudo aconteça. Basta, por vezes, abrirmos a janela onde escondemos aquilo que pensamos e sentimos, e guardamos só para nós. Mas também não há que dizer tudo, pondo tudo a descoberto, que há sempre uma reserva, essa sim que é só nossa. Por vezes essa janela, abre-se com um telefonema. É tão fácil! Tão fácil que até parece uma coisa bem difícil.
Porém fácil, mesmo fácil, será virem aqui, deixando-me só um "Bom dia!", qual o que eu lhes deixo agora. E pode até acontecer, que, se voltarem cá, eu escreva mais aqui, hoje aqui e para vocês.
:-)

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Apontamentos breves

1 - Os deuses da montanha existem mesmo. Não é que eles me aliviaram da carga granítica que levei comigo de fim de semana? Só deixaram que me lembrasse dele em Galafura, no alto do monte, mas para o mandar calar, que a eternidade dele era outra, mais funda ainda que a do Torga. Ele ficou vaidoso, e deixou-me em paz.

2 - Se os deuses existem, e eu sei que sim - e até falo com eles -, então os milagres também. Eles têm que os fazer. É a sua obrigação. E não é que ao chegar aqui agora, vi que houve mesmo milagre? Fui ver o tal Granito que levei na cabeça comigo, e não é que ele está já todo ali, na forma de comentários, por mãos anónimas escritos, que, a não serem de deuses, só poderão ser de fadas.

3 - As fotografias no Tempo são uma simples referência aos sítios por onde andei, durante o fim de semana.
A segunda que aparece, mas que na verdade é a primeira, pretende apenas mostrar o monte no primeiro plano, e a a forma que tem. Se olharmos com atenção, que foi o que o Torga fez, aquilo é mesmo navio, de casco invertido ou não. E, como lá diz o outro: Vê navio, é navio! E não se discute mais.
Para mais facilmente passarem da montanha ao navio, subam a plataforma onde está o pequeno marco geodésico lá no extremo. Fica a poucos metros e é fácil. Depois debrucem-se, braços pousados no topo plano do marco, e é só olhar em frente, para se sentirem Á proa dum navio de penedos, agarrados ao seu leme.
A primeira fotografia, que na verdade é a segunda, pretende mostrar o cais humano, de socalcos e vinhedos, com todos os cheiros da terra e da vida.
As fotografias pretendem apenas mostrar o navio a quem souber ver; os socalcos e vinhedos a quem os souber olhar; os cheiros a quem os souber sentir ali perto, e adivinhar mais ao longe. A estética foi sacrificada, que a máquina é daquelas de levar no bolso. E para piorar a fama do "artista", ainda tive que diminuir a qualidade das mesmas, para me caberem mais duas ou três.

4 - Que o Torga me perdoe por lhe andar a mudar versos para cima e para baixo, e por ir cortando uns, para os ir ligando a outros. Mas todas as palavras são dele, e todas estão no poema S. Leonardo de Galafura. Perdoem-me também os amantes de Torga. Principalmente aqueles que gostam de peregrinar pelos itinerários dele. Não foi Torga que me levou ao monte, nem sequer o monte a ele; não foi o poema que me levou ao monte, nem o monte ao poema, que o poema é mais que o monte, e o monte mais que o poema.

5 - Agradeço os comentários que aqui foram deixando durante os últimos dias, e aos quais não respondi ainda. A todos responderei. Apareceu um nome novo, e dois já mais dos princípios, que andavam arredios. O que interessa é que voltaram. O que interessa é que outros venham. Este lugar é de todos, e para todos há lugar.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Eu não vou desistir dele

Aquele Granito ali em baixo pesa mais do que eu pensei. Enganou-me, o maroto, com seu ritmo enganador, de harmonia popular. Não sei se me enganou por amuos, de eu o pensar ligeiro - o que seria culpa minha; ou seria por melindre, de ninguém ter ido a ele, deixando umas palavrinhas - o que seria culpa de quem?
Seja qual for a razão, não pense o Senhor Granito, que eu vou desistir dele. Vou deixá-lo a marinar uns tempos na minha cabeça. Por isso o levarei comigo para todo o lado que vá.
Trouxe-o comigo hoje, para as bandas de Vila Real. Já o passeei pela Régua. E mostrei-lhe o rio do ouro, e vou-lho mostrar mais vezes, que ele se avista ao longe. Já lhe mostrei os vinhedos, mas ele mandou-me às favas, dizendo que quer ver é os meus. Vou levá-lo a Galafura, a ver se o Torga me ajuda. Ou então até ao Vesúvio, não vá ele temer-se do Torga. Tenho é que o levar a um monte que fique bem lá no alto.
Andarei com ele às costas, ande eu por onde andar. E ele não se livrará de mim. Nem eu me livrarei dele, até ao dia em que o sirva, aqui pronto nesta mesa.
Por isso, Senhor Granito, não se arme em difícil, e deixe-se lá de amuos, e deite fora os melindres. E veja lá se fica leve, sim?
:-)

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Inacabado e sem título

Quando amanhã vires
Por mero acaso
Este granito
Se ele existir
Fica a saber
Que eu o marquei
Com sangue da alma
Espalmado na mão
Para ele durar
No seu sono longo
E de mim te (lembrar?/falar?/ lembrares?)

(A continuar brevemente; pode acontecer que altere o que já está escrito; mas a ideia central, essa não)

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

O prazer será sempre meu

Eu tinha dito aqui, que nenhum dos meus amigos, conhecidos e outros tais, sabia que eu, qual cavaleiro da triste figura, andava por estas bandas, vestido de TempoBreve. Mas dois deles vieram cá anteontem, e deixaram comentário, um no Tempo outro nas Peles. Eu soube logo quem eram, e tive de lhes dizer quem é que eu era também. E uma vez que disse a esses, tive de o dizer a outros , como manda a cortesia.
Assim, a partir de agora, eu sei que estou a escrever para os queridos desconhecidos, que até aqui me acompanharam; mas também para os meus amigos, conhecidos e mais ou menos, que porventura aqui venham.
Sejam conhecidos ou não, amigos ou assim-assim, a todos receberei com subida estimação. E estaria mentindo, se não dissesse, agora, que me sentirei muito honrado, sempre que vocês aqui venham. Se vierem, agradeço. Mas eu estarei por cá, sempre à espera que venham. E será sempre um prazer.
Até sempre e um abraço.

domingo, 14 de outubro de 2007

Entre terra e céu


Das raízes na terra que a seguram e a alimentam; do caule que se ergue, dando-lhe alento; dos ramos que se abrem, abraçando a vida; das folhas que crescem, bebendo ar e luz; dos frutos que tão doces cria, e depois nos dá; das cores tão de encanto de que se veste a dizer adeus; da esperança serena num homem que a ame terno, que a ampare e a ajude a passar o inverno. Assim nossa vida, uma vida inteira, nesta maravilha que é uma videira.

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Eu só ofereço do que gosto mais

Só posso agradecer os comentários simpáticos que me foram deixando nestes últimos dias. E reparei que comentaram também textos mais antigos, o que foi surpresa. A todos darei sempre resposta.
Gostaria também de dizer que sei que o que verdadeiramente me dão é simpatia na forma de comentários. Essa simpatia - e também a daqueles que porventura cá venham e não deixem notícia da sua passagem -, é-me muito cara, até porque vem de pessoas que não conheço, nem elas a mim. E essa é talvez a mais forte razão do meu agradecer sincero, a todos, e sem distinção.
Nunca publicitei, pelo menos de forma directa, nem as Peles, nem o Tempo. E assim será sempre.
As pessoas que me conhecem, têm de mim o que quiserem ter. Conhecem-me os fígados, para os odiar ou amar. Mas vocês, que só daqui me conhecem, têm apenas de mim as minhas palavras. Não lhes posso dar mais; nem vocês a mim pedir-me mais. A não ser palavras. E o que elas transportam. Por isso é que elas serão sempre, e principalmente, a vocês dirigidas.
Serão sempre vossas, para gostarem delas; serão sempre vossas, para discordarem delas; serão sempre vossas, para as criticarem; serão sempre vossas para as renegarem; Serão sempre vossas, para as matarem, não as querendo ler, não lhes dando vida.
Acima de tudo, serão sempre vossas,porque eu gosto delas, e eu só ofereço do que gosto mais.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

O sal da terra

Aquele rapaz tinha o diabo metido no corpo. Lembrava-se das coisas mais espantosas. Desde bem menino.
Um dia, nem ele sabe que idade teria, fez-se sozinho ao carreiro de terra batida, que ligava a casa da mãe à casa da avó,vencendo socalco atrás de socalco, por aquela encosta acima. A distância não era assim muita, mas para tão tenra idade , era como se a casa da avó ficasse do outro lado do mundo.
Não se lembra do caminho no momento em que o fez. Não se lembra da chegada. Não se lembra da avó como ela era, nem da surpresa que ela teve, de o ver aparecer, sem ninguém a acompanhá-lo. Não se lembra da razão,ou se houve sequer razão, para se ter posto a caminho. Era tudo muito vago, e tudo isso caiu no esquecimento, que os cérebros meninos só guardam o que é importante.
Sabe é que chegou à casa da avó e que a avó estava lá. E que, sem qualquer resquício de hesitação, desengatilhou logo ali aquela lengalenga, costumeira na aldeia, que sabia de cor, de tanto a ouvir à gente mais moça que, a mando dos pais, ia pedir favor a vizinho, e que era assim:
- Vinha aqui, que disse minha mãe, a ver se fazia o favor, de me emprestar um bocadinho de sal, para pôr no caldo, que o nosso acabou, e que lho mandava logo, quando fosse à venda para o comprar.
A mãe não havia dito nada. E ele não sabe como é que aquilo lhe veio à cabeça. Sabe é que a avó, crédula nos costumes e na inocência dele, lhe entregou o sal pedido,num embrulho que fez de papel grosso e velho.
Feita a conquista do bem precioso,o rapaz partiu,mas não no sentido inverso do caminho que o tinha trazido até ali. Contornou a casa da avó pela esquerda, e tomou o caminho do monte. Mas em breve o deixou, atalhando por entre urzes e tojos até ao cimo da encosta, arranhando-se todo.
Uma vez lá no alto, procurou um sítio de terra mais mole, e mais despido de vegetação. Esgravatou, esforçado, com os dedos das mãos, até eles sangrarem, feridos nas arestas finas do quartzo quebradiço que desenterrava. Mas não desistiu até ter cova bastante. Dispôs nela o sal,com muito cuidado,que depois alisou com a mão espalmada. Cobriu-o, depois, com uma camada da terra mais fina. E dali em diante passou a ir todos os dias àquele sítio mágico para ver se o esperado milagre estava já a acontecer.
Quando a avó e a mãe do mágico rapaz souberam daquela mentira inocente, que foi o pedido do empréstimo do sal, quiseram saber o que é que ele tinha feito dele. E ele as levou ao cimo do monte. E lhes mostrou o sítio exacto onde o tinha semeado. E quando a mãe se baixou para o desenterrar, a avó impediu-a, tomando-lhe o braço e dizendo:
- Não faças isso. Não toques no sal. Olha que ele já deve estar quase a nascer.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Mulher

Um luar de gaivotas
Voando desejos
Por sobre os canaviais

Um coração gritando
Sonhos floridos
Em botão de roseirais

Borboletas errando
Em liberdade querida
E em asas de vento
E em searas de vida

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Cá para mim é mulher

Era um daqueles dias em que me perco de tudo e ando quilómetros sozinho na praia, a ver se encontro as notas do som do mar. Tento até o cantochão. Mas por mais que eu encontre, mais me falta encontrar. Tento então a minha voz, invento novas palavras, mas por mais que eu invente, mais me falta inventar. Porém eu nunca desisto, e volta e meia insisto nestas minhas tentativas.
Era um daqueles dias. Quando cheguei à penedia, que é onde sempre chego, estava a maré muito baixa, em dia de marés vivas. Por isso andei mar adentro, de penedo em penedo, mais longe do que é costume. Esqueci-me, então, da música, e virei-me para a escultura, começando a buscar formas, no todo ou em pormenores. E tirei fotografias, que ficaram esquecidas durante semanas a fio.
Tudo estava muito bem, até que me lembrei delas, e lá as fui procurar para deixar uma aqui. Entre as primeiras que vi, estavam as Silhuetas, que logo aqui vos deixei, como certamente já viram.
Só depois de as publicar é que comecei a duvidar das formas que lá estão. E eu que não sou D. Quixote, embora gostasse de ser, não posso dizer que o que vejo é aquilo que lá está. Por isso eu já não sei bem se aquilo são penedos, se gigantes de perfil, ou se homens disfarçados, de pescoço distendido e olhar embevecido para o espaço que há entre eles. Por isso eu já não sei bem se o espaço que os separa é simplesmente céu, mar e pedra, ou se é escultura grega, no vazio desenhada; ou se sereia ladina, com cores de modernidade, a encantar pobres mortais; ou será mesmo mulher, desnudando vestes de água, até ao ponto exacto onde a tentação cai mais?
Cá para mim é mulher, mas não posso dizer tal, quando não ainda dizem que tenho algum distúrbio mental. Mas se disserem que digam, que um distúrbio mental, se causado por mulher, parece-me natural.
Era um daqueles dias. A música levou-me à escultura, a escultura à fotografia, a fotografia à mulher. Um percurso bem normal.
:-)

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Aquela velha e ousada senhora

Viram a fotografia no Tempo? Esta é outra, mas é quase igual. Também podia chamar-se O rapaz da camisola verde, mas dei-lhe outro nome, que vai dar ao mesmo.
Existem nesta variações ínfimas de pormenor, que simbolizam dimensões do tempo.
Há na fotografia um passado já morto, representado nos montículos cónicos de feixes de palha de milho, e no espigueiro, que vão desfilando em cortejo saudoso e cómico.
Há também um presente um tanto descabelado, representado ali ao fundo e à esquerda; há um presente naquele mar de gente que se adivinha, em festas ainda de povo; há ainda um presente de pais que encavalitam os filhos, para que fiquem mais protegidos, e para que vejam mais longe, e para que vejam melhor.
E há no conjunto um futuro incerto, para novos e velhos, e já magoado por feridas presentes, que temos de começar a sarar, desde já, e a reconstruir, animados por aquela ousada e velha senhora chamada utopia, a qual está inscrita na camisola que se cola ao rapaz.
Que o rapaz da camisola verde seja o nosso porta-bandeira!

Nota: Isto faz-me lembrar, não sei bem porquê, aquela história de gigantes e anões. Mas isso é outra história.

domingo, 16 de setembro de 2007

Amizade em forma de pedra

Não sei se sabem, mas deviam saber, que eu muitas vezes não ando com telemóvel. E, quando ando, ou está desligado, ou está em silêncio. É quase sempre assim. Depois eu vejo quem telefonou e decido se ligo de volta ou não. Leio as mensagens escritas, e respondo ou não, mas as de voz, essas não as ouço. Com esta simpatia toda tão social, até já tem havido quem se tenha queixado. Mas sem razão, não acham?
Ora aconteceu ontem, eram 22:09, estava eu na festa, e vou ver as horas, que é uma grande utilidade que o telemóvel tem. Estava a piscar. Estavam-me a ligar. Vi logo quem era. Era um meu amigo que tinha ido de férias para longe. Sorri porque já sabia qual era o convite que me ia fazer, e preparei-me para dizer-lhe que não, que não podia, que me ia deitar tarde. Atendi:
- Então?! Como está o meu amigo? Correu tudo bem?
- Correu, sim. Olhe, deixe-se de coisas. Amanhã lá estamos. Vou buscá-lo a casa às 14:00. Às 15:30 estamos no buraco um. Acabamos pelas 18:30, que é uma hora muito boa para acabar. Você vai no banco de trás para não olhar para o conta quilómetros.
- Lamento, mas amanhã não posso. Vou-me deitar-me tarde.
- E eu nem me vou deitar. Vá! Deixe-se de tretas. Amanhã às 14:00.
- Mas eu nem estou em casa. Nem estou na cidade.
- Eu também não. Às 14:00. Está combinado.
- Onde raio é que você está?
- Estou no aeroporto do Dubai. Às 14:00. Está combinado.
Dei uma gargalhada, e disse que sim. Se ele estava no Dubai e vinha, eu também podia bem vir do sítio onde estava. E às 15:30 demos a primeira pancada. Fomos o terror do campo nesta tarde de hoje. No fim, esse meu amigo tirou um saco do carro e entregou-mo dizendo:
- Isto é para si.
- Para mim? O que é?
- Uma pedra e uma garrafa de areia. São do deserto. Apanhei-as eu.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

O amor é assim, e bendito seja

É assim o amor. Sem reservas nem concessões, ele bate á porta; sem se saber quando; sem se saber onde. E nem põe a hipótese de que a porta não se possa abrir. Malandro, ele, que, no momento em que bate, já sabe que entrou. E assim deve ser.
Traz tudo consigo: todos os sentires que nos atropelam tontos ; todos os sonhares que do corpo voam procurando alma. Deixa-nos assim, como que sem jeito.
Não é culpa nossa, antes desejo mágico, que ele entre assim pela porta aberta. E é aberta que ela deve estar. Mesmo sabendo que ele, traquinas, pode bem partir. E ficarão saudades das cores com que nos pintou, dos perfumes com que nos banhou, dos afagos com que nos tocou, dos sabores com que nos enebriou, das músicas com que nos cativou.
Será grande a tristeza? Será. Mas bendita. Que ao nos afogarmos nela sabemos que sabemos o que já tivemos no lugar que é dela. E isso é um grande bem. E um altar onde, devotos, podemos pedir milagres, pois sabemos que eles existem. E que os sonhos não morrem.
E, depois desta tontice, não me posso assinar como"Anónimo"; seja, então, "António".

Notas: 1- Texto tal como foi publicado no blog da sonhadora, altardasaudade, nos comentários referentes ao poema Efemeridades, de 12 de junho; 2 - Acrescentei apenas o título; 3 - Deixo-o aqui, pois acho que ele mantém alguma especificidade, não obstante a pretensão que eu tive de substituí-lo em absoluto pela versão que deixei no Tempo, e a que dei o título de Bendito seja o amor; 4 - Se os compararem, dirão da sua justiça; 5 - Mencionei a sonhadora, com o assentimento dela ; 5 - E agradeço-lhe, pois este texto aqui, tal como está, nasceu dum improviso, que não emendei, e que me assaltou depois de ter lido o poema já referido.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Gigante de pedra

O Gigante de pedra contempla o mar. Ele sabe os segredos da vida e da espuma, da brisa e da bruma. Conhece os anseios dos nossos avós e, consolando-nos, fala-nos deles, enquanto promete que aos nossos netos falará de nós. Por isso gostamos de o escutar, quando junto a ele, ou ao colo dele, nos vamos sentar. Dê por onde der, conte o que contar, ele acaba sempre por falar de si, por falar de mim, por falar de nós. Você nunca ouviu?

sábado, 11 de agosto de 2007

Desculpas, ameaça e promessa

1 – As minhas desculpas

Peço desculpa pela má educação de há já muitos dias não ter deixado nada de novo para quem tenha vindo aqui. É o tempo de Agosto que tem outro ritmo para mim. Um ritmo mais de água e monte, mais de olhar e pasmar. Um ritmo outro que me dá forças. Não existe para mim um Agosto que não seja assim. Mas isto não justifica uma ausência tal. E logo no momento em que uma ou duas pessoas me estava a “visitar”.

2 – Uma ameaça

O Tempo refere-se a mim num pejorativo o tal das Peles. Não lhe liguem. É ciumeira. Mas se ele continua com essa mania, eu ainda lhes conto a verdadeira história da minhoca e do boi. Sim, que aquilo, ao contrário do que ele quer fazer crer, não foi inventado, e tem personagens reais. Ele resumiu aquilo muito simpaticamente para o cábula. Mas a história não foi bem assim. Ele que não se cale, e logo verá! Não sei se repararam que ele, ao contrário de mim, não é nada simpático e nem pede desculpa pela sua injustificada ausência.

3 – Uma promessa

Daqui em diante vou ver se ponho aqui duas ou três palavras mais regulares. E até imagens em que tropece nestes dias de Agosto vadio, como deve ser, e que me viu nascer.


segunda-feira, 30 de julho de 2007

Amigos perdidos, onde parais?

Onde é que estás, Anwar Namani? Ainda estás aqui? Ou a desgraça das guerras já te nos roubou?
Que fizeram dessa tua terra mártir do Líbano? Que te fizeram a ti? Ainda abraças a bandeira do cedro, do cedro que é símbolo e diz mais que palavras? Ou a bandeira morreu?
Que fizeram a Beirute, a tua cidade? Que fizeram à rua onde tu moravas, que as minhas cartas nunca a encontraram? Sabes que a cada bombardeamento eu te escrevia? E que a cada ruína de casa abatida eu pensava em ti?
Lembras-te de quando fomos a Madison, no Wisconsin, à universidade, falar dos nossos países, com o Noel Hobbs, o da Nova Zelândia, que foi falar do dele também? Lembras-te como nos saímos tão bem, naquele anfiteatro enorme,que nos assustara, com as respostas que demos: tu com aquela tua história da lua; eu com aquela minha história de chamar a rapariga ao palco para lhe mostrar; o Noel com aquela história sua dos carneiros?
Lembras-te daquele livrinho compacto que me ofereceste, O Profeta, do teu conterrâneo Kahlil Gibran, na versão inglesa em que foi escrito? Lembras-te da dedicatória em árabe que nunca me traduziste, seu malandro manhoso? Sabes que ainda o tenho? E sabes que o consulto? E sabes que nenhuma tradução lhe faz toda a justiça? E sabes que o recomendo?
Não respondes a nada? Não vês que as perguntas não interessam nada? Que as respostas não interessam nada, desde que respondas, seja aqui ou ali, seja isto ou aquilo, seja sim ou não?
Não sou eu que pergunto. Somos todos nós, os que lerem isto, e mesmo os que não. E tu não és tu, antes todos quantos cruzaram suas vidas com as nossas vidas, com evocações de histórias felizes. E com quem fomos perdendo o contacto. Fosse como fosse. Fosse por que fosse. Mas nós lembramo-nos deles. E queremo-los de volta.
Por isso, Anwar Namani, e vós todos quantos, vá de responder:
- Estamos aqui.

sábado, 28 de julho de 2007

Não estamos sós

Apontaram-me o dedo para o céu e disseram-me que deus estava lá. Era muito menino, e não consegui vê-lo. Mas quem mo dizia, sabia. E eu disse que sim, que estava bem. E vi as estrelas que ficaram para sempre comigo.
As estrelas disseram-me poemas secretos de amor e de bem. E falaram-me de vastidões onde me perdi sonhando. Onde me fundi cantando. E soube então que não estamos sós. Porque me reconheci, pequenez sentida, com o seu lugar, na imensidão sem fim, de pequenezas feita.
Não. Não estamos sós. Enquanto existirmos, e se mesmo formos, teremos sempre em nós a bênção sentida dos outros, sem os quais não somos.
Por isso devemos querer-lhes muito e bem. E acordar neles o mesmo desejo de querer muito e bem a outros ainda. E depois a outros. E a outros ainda.

quinta-feira, 26 de julho de 2007

Nem bosque nem melro

O Tempo, um presumido, afirmou, assim sem mais, que todos gostaram de piscos e cucos. E até apelou à falaciosa mentira para dizerem que sim, que se não gostassem deles é porque não gostavam de si. Um descarado. E , não satisfeito com insolência tamanha, lá foi deixando a dúbia promessa de lhes vir a deixar outra ave - o melro.
Só que o melro foi ele ao insinuar tal desvario. Foi para ganhar tempo, e para irritar quem não tivesse gostado das aves primeiras, isto é, toda a gente. Mas fez-se justiça, que ninguém lhe ligou.
O mal é que agora ele vai mesmo cumprir a promessa. Para se vingar da afronta. Ainda não o fez por preguiça, embora insinue que é falta de tempo.
Aquele velho melro tão especial, que há muito vagueia por entre as folhas dum bosque que é livro, vinha-lhe mesmo a calhar. Ao prazer de cumprir a promessa, juntaria o regalo de uma história galharda. Tudo sem grande trabalho. E poderia até aproveitar-se e dizer-se autor. Um descarado.
Tudo muito bem. Ele sabia o autor e o título do livro e do texto. E procurou. E procurou. Afanosamente. Estante a estante. Esvaziou prateleiras. Pôs montes de livros no chão. Barafustou. Rogou pragas. Proferiu palavrões. Fez responsos vários. Nada.
Foi muito bem feito. Quis irritar, e irritou-se primeiro. Quis facilidades, e encontrou trabalhos dobrados. Para que aprenda.
Agora vai ter que sujeitar-se a um textozeco mal amanhado que vai ter que escrever, e a uma fotografiazeca que vai ter de arranjar. Só por teimosia. Só para incomodar.

sexta-feira, 20 de julho de 2007

Manias do Tempo

De tanto insistir, tive que lhe fazer a vontade. Sim, a ele, ao Tempo. Ele quer despir-se. E eu lá tenho que o ir contendo. A custo. Que ele é de cabeça dura. Deita mão qualquer argumento. Que tenha lógica ou não, isso não o incomoda.
Hoje convenceu-se que fazia anos. Só faz um mês, mas está bem. Pediu, insistiu, amuou - queria um e-mail. Só para o calar, arranjei-lhe um. Com o nome dele. Tinha que ser. Está no perfil , evidentemente.
Eu sou culpado daquela mania que ele tem. A do querer despir-se. Um belo dia eu contei-lhe a história do Príncipe Sapo. Ele, estúpido, percebeu tudo mal. Passou a achar-se sapo, naquela convicção palerma de poder vir a ser príncipe. É por isso ele quer despir-se. Mas a seguir eu sei que ele vai querer tirar as peles também. Como o príncipe sapo.
Eu bem lhe digo que, por mais peles que tire, ele será sempre sapo. Mas ele acha-me tolo, e julga-se príncipe a ser, que é que lhe hei-de eu fazer?

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Como nós humanos

Eu bem disse ao Tempo que tornar-se blogue era um disparate. Agora virou-se para as aves. Podia deixá-las no romantismo chão com que o povo as veste, mas não. Já fez duas vítimas: o pisco e o cuco. Devassou-lhes a vida.
As aves com asas, que cantam e voam, gostam, vaidosas, que se apregoem seus virtuosismos cuidados, mas seus descuidos não. E as aves sem asas - porque as esqueceram, porque as venderam, porque lhas ataram, porque lhas cortaram, não cantam nem voam- gostam que as chorem, mas tremem de medo só de pensar que um dia se possa falar dos sonhos que já sonharam, mas agora já não.
Também o pisco e o cuco gostaram que o Tempo lhes falasse dos dotes, mas dos defeitos, não.
Gostaram das fotografias, embora se achem mais bem bonitos; envaideceram-se das cores com que os brindou; ufanaram-se da beleza que ele viu nos seus cantos; agradaram-se de ele os dizer cantos de amor e de vida; riram-se com graça e malícia dos ardores que lhes adivinhou.
Gostaram de tudo. Só houve um senão. Aquela coisa do ninho, de que o Tempo cruel falou insensível. Viram naquilo, cada um a seu modo, e sabe-se lá a razão, insinuação crítica de descuido e defeito. E, sincronizados, apressaram-se logo ali a branquejar qualquer sombra de dúvida.
Acusaram-se de inocentes. Que não tinham culpa. Que era mesmo assim. Era a natureza. Era a tradição. Era o destino. E era condição sua cumprirem estóicos o destino que é seu.
As virtudes sim. Os defeitos não. E a culpa nunca.
São tão humanos, o pisco e o cuco, não são?
E tão piscos e cucos que os humanos são, ou não?

sábado, 14 de julho de 2007

Aselhices

Aquele último postal do Tempo, aquilo tem lá algum jeito? Já leram o título? E olhem que eu sei que ele passou toda a santa tarde naquilo. O texto, escreveu-o ele depressa. Agora a imagem, nem queiram saber! Ai as risadas escarninhas que o cuco deu!
Ele era clicar aqui, ele era clicar ali, ele era clicar acolá, mas nada. Lá aparecia uma roda bem-me-quer que girava e girava, anunciando o carregamento da imagem, mas nada. Nunca aparecia nada. Aparecia sempre a mesma janela onde ele deveria dizer que sim, que queria. Mas ele, nada! Cegueta, limitava-se só a fechá-la. Para ganhar tempo, evidentemente. E aquilo nunca mais andava nem desandava. Como poderia, se ele não dizia que sim, que queria continuar, apesar do aviso? Horas após, lá a colocou, mas no sítio errado. E depois tirá-la?
Lá conseguiu, o coitado. Finalmente. E, quando conseguiu, considerou-se perspicaz. Uma incompetência à prova de bala, é o que é.
Eu bem sei que se ele ler isto vai dizer que não. Que demorou apenas uns minutinhos extra para titular o texto e para titular a imagem. Fez um lindo serviço, lá isso fez!
Já agora, e por falar em titular:
- Ai, cala-te, boca!
- Calada já estou.
- Sua língua de trapos!
- Olha quem falou.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Vou mesmo ficar com elas

Bom dia!

No último texto, Arejando as saias, dei conta de algumas das peripécias por que passei para lhes oferecer O pisco. As minhas hesitações na escolha do texto, primeiro, e na escolha das palavras certas e finais, depois, poderiam indiciar um caso clínico grave, mas dizem-me que não. E eu vou confiar.

Disse, noutro lugar, que esse texto, Arejando as saias, era quase um pedir desculpas pelos dois primeiros textos de Sete Peles Sete Saias. Estavam ambos à espera do esquecimento ou de uma roupagem mais a preceito. Foram descobertos assim como estão, e assim vão ficar. Até ver.

O título, Arejando as saias, prende-se com duas características minhas: obedecer a quem manda, e alguém atrevido me mandou arejar as saias, muito embora eu seja mais de peles; e não ser capaz de abandonar sem dor a peregrinação da pele na sedução da saia, pelo que retomo, arejando, as Sete Peles Sete Saias, não obstante os protestos do tempo. E até porque, ficando nelas os dois prematuros textos que já referi, elas teriam de ficar também.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Arejando as saias

Mesmo que já escritos, os textos que fazemos tornam-se canseiras quando os acordamos. Poucos são os que não merecem reparos paternos, principalmente quando os procuramos, para os transcrever, por qualquer razão.
Aconteceu-me ontem. Queria um novo texto para escrever aqui, e até já sabia qual - aquele ali, em forma de poema, amarelecido o papel pelo correr dos dias. Era fácil. Estava decidido.
Arranquei-o da parede onde tem estado pregado com sucessivas camadas de fita adesiva. E só então reparei que esse poema nunca teve título escrito, que para mim não é necessário. Mas para quem o lê, talvez. E o único título que na pressa me vinha era Epitáfio. Imaginem só! Não podia ser.
Fui-me a umas gavetas, autênticos arquivos do caos. Tirei papéis às manadas que fui dispondo pela mesa grande aqui onde estou, e ia pensando: este não; este talvez; este é só apontamento; este tem que ser reescrito; este qualquer dia livro-me dele; este, O pisco.
Também não tinha título, mas ficou, logo ali, a ser ele, O pisco. Tinha três versões, mas não havia problema: uma era rascunho longo, e as outras duas eram iguais e finais. Era o que eu pensava.
E vai daí, toca a transcrever. No fim, reparei que numa versão aparecia no princípio dum verso a expressão Em flores, na outra já era Nas flores, e eu escrevi De flores. De? Em? Nas? A diferença é mínima, mas nem imaginam a diferença que faz.
O pisco é um poema curto e simples que conta uma história. Mas por debaixo dela há outras histórias. Tenham a bondade de o ler no TempoBreve, que me rouba tudo. Ai, este ladrão que me tira a pele e me rouba as saias!