sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Na linha da frente

Hoje, quando cheguei à Casa das Letras, fiz como sempre faço: fui de sala em sala, de estante em estante, de gaveta em gaveta, a ver se via o macaco. Há uma voz que me diz que ele anda aqui por perto, ou até em mim. Percorri os cantos todos, mas nem sinal dele.
Resolvi vir aqui ao computador, contentando-me ao menos com o seu retrato. Mas, qual quê? Já não está na página. Foi então que o meus olhos caíram num papel escrito com uma caligrafia, apressada e disfarçada, que era a dele, e que rezava assim:
Li tudo o que foi escrito sobre os mandaretes: as alegorias, que fingiste não serem, para que todos soubessem que eram; as alegorias, que outros escreveram, dando força às tuas; os teus comentários, que embora críticos, são bem comedidos; os comentários dos outros, reforçando os teus, e bem melhores que os teus.
Depois de ler tudo, até concordei. Mas soube-me a pouco. Pus-me a pensar por que motivo me sabia a pouco. E descobri: falta-vos a alma; falta-vos a utopia; falta-vos a grandeza; falta-vos a coragem; falta-vos o sonho; falta-vos um rumo. Mas a mim, não, que, como bem sabeis, estou apaixonado. E só a paixão é que nos ilumina, e nos enche o peito duma força tal, que nada nos impede de avançar em frente, perseguindo sempre os ideais mais nobres.

A minha paixão, que reconheceste, obriga-me a avançar. Por isso estarei na linha de frente, marcando presença contra os mandaretes; contra todos eles, estes ou outros, que estejam na fila para apanhar lugar; contra os mandaretes que se refastelam, em manjares megalómanos de esbanjamento, sentados à mesa do orçamento, que todos nós pagamos com língua de palmo; contra os mandaretes que, hipocritamente, vão deixando cair, aqui e ali, umas migalhas, pensando, na sua infinita bondade, que as pessoas sofridas são ratos; contra os mandaretes que, despudorados, ficam irritados por não aceitarmos a condição de ratos e por protestarmos e não batermos palmas e não abanarmos rabos.
Contra os mandaretes, na linha da frente. Por mim e por vós, mesmo que não concordeis; por mim e por vós, os que não podeis, porque o ordenado é pouco, porque o emprego é arbitrário, porque justamente temeis retaliações, ou, muito simplesmente, porque não sabeis da massa de que são feitos estes mandaretes, nem dos traumas da incompetência que têm.

E, para começar, hoje faço greve, que a minha paixão de povo me obriga a estar na linha da frente.
Depois de ler isto, eu fiquei varado. Tenho que ir com ele. Estar ao lado dele. E ele vai gostar de me ver a seu lado.

20 comentários:

Anónimo disse...

Caro amigo,estou a chegar de uma casa também das letras.E não venho para falar do macaco,mas sim de um escritor que não precisa de apresentações:é,António Lobo Antunes esteve na nossa cidade (Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva)numa conversa incrivelmente informal,humorística - humor bem inteligente o dele!É um homem incrível!!!Fiquei apaixonada por ele.A sério!Sabe tanto e tal da vida,que acabou por dizer que não sabe nada.Aprendi um pouco mais a viajar dentro de mim com as palavras daquele sábio.
A apresentação da obra «O Meu Nome é Legião» esteve a cargo de um Dr. Rui(rapaz dos seus trinta e poucos anos),excelente,também.
No momento dos autógrafos,o humor subia «à medida do autografado».Gostou do meu nome.Soletrou-o.Disse-me que não tivera nenhuma namorada com esse nome.O editor,ao lado,sorria.Disse-lhe que tinha gostado muito da crónica que ele escrevera sobre o seu amigo «ZÉ».Que me fez chorar.Olhou-me nos olhos como que à procura de alívio para a ferida que ainda ardia... o editor,pergunta-me,em seguida:
-Gostou de ouvir Lobo Antunes?
-Claro que sim!Muito!
Desejamos um Bom Natal e o aperto de mão do escritor foi fortíssimo.
Que figura agradável,que alma cheia de nada,que alma cheia de tudo!
A sala estava cheia.As intervenções também foram cheias e o homem de alma grande nos encheu...
Um abraço

Anónimo disse...

"SER DESCONTENTE É SER HOMEM"

Anónimo disse...

"SER DESCONTENTE È SER HOMEM"
Fernando Pessoa

TempoBreve disse...

Eduarda:

Também leio o Lobo Antunes - o António e o João. E é pena que o João não tenha tido mais tempo para a escrita. Mas são ambos muito bons, cada um na sua arte, mas eu acho que o João seria artista nas duas. Já leste as entrevistas que eles às vezes dão? São uma maravilha, que faz sentir e pensar. E é sempre bom ler ou ouvir a inteligência a falar.
Vou ler o livro de que falas - "O Meu Nome é Legião". É que a escrita do António vai melhorando com a idade.
Não sei que coincidência é esta, que é a de se falar neste espaço dum macaco, sonhador e pensador, e de ideais apaixonado; de se falar do Lobo Antunes, que escreveu o "Tratado das Paixões Humanas", "O Esplendor de Portugal" e agora também "O Meu Nome é Legião"; de se falar ao de leve no José Afonso, o poeta e o cantor da liberdade e da igualdade, da fraternidade e do sonho.
Não sei que coincidência é esta, mas eu vou averiguar.
Obrigado por teres vindo; obrigado pelo texto.

Anónimo disse...

Não pude ir ver o Lobo Antunes e fiquei com imensa pena, mas há compromissos sociais que nos impedem de estar nos sítios certos com as pessoas certas, ou pelo menos, com aquelas cuja cabeça não anda pendurada no "bengaleiro do mercado público".
Hoje optei por mim e pelo meu sentido de justiça e fiz o que achei que era obrigatório fazer.
Hoje o tempo é todo meu e não há mandaretes nem bonifrates a controlar o sol que entra pelas vidraças da alma.
Obrigada pelo texto.

TempoBreve disse...

Isabel:

Falei, no comentário acima, duma coincidência estranha: a de se juntarem neste espaço, o macaco apaixonado e sonhador, o Lobo Antunes, escritor, o José Afonso, cantor. Ora, vens tu agora extender a coincidência, aumentando-lhe a estranheza, ao acrescentares o Pessoa.
"Ser descontente é ser homem".
Gosto muito desse verso, do "Quinto Império", da "Mensagem". Mas deixa-me acrescentar-lhe os dois que se lhe seguem. Deixas? Ora, vamos lá, então:

"Ser descontente é ser homem.
Que as forças negras se domem
Pela visão que a alma tem!"

Ibel disse...

Etou nessa onda e nas que estão para vir.
Mas somos poucos! Com coragem e sem desculpas esfarrapadas para justificarem a sua "força negra"
Até ver.
Abraço.

TempoBreve disse...

Ibel:

Não. Não somos poucos. Ainda há gente. Querem-nos fazer crer que não, só para ver se desistimos. Mas não. As forças negras, são espadas de cartão. Basta não ter medo.
E mesmoo que poucos, seríamos muitos, porque os melhores. Mas nós somos muitos.
Até ver.
Um abraço.

Anónimo disse...

Nós encontrámos o macaco e vamos levar-lho.Não imagina como está mudado!Veremos o que vai fazer com ele...

Anónimo disse...

Vai gostar de o ver ao lado dele,sim, sim senhor! E bocê bai ficar barado home!

TempoBreve disse...

Olá, Olá!

Não sei se encontraram o verdadeiro macaco. Ele é farsante e brincalhão. Pode bem enganá-los.
Veremos as mudanças que teve. Espero que não sejam loucuras. Se forem, eu cá estarei para o meter na ordem. Não se ponham a mimá-lo. É que ele gosta disso, sabiam? Tragam-mo. Tragam-mo depressa.

TempoBreve disse...

Olá, anónimo:

Aquele macaco arranja sempre maneira de me surpreender. Quando penso que já sei tudo sobre ele, ele arranja um outro modo de me mostrar que tem mais algo. Por isso eu gosto dele. Mas tenho que o controlar, que ele tem uma imaginação descontrolada. E está apaixonado, claro.
Claro que eu gosto dele. E ele gosta de me ver a seu lado. Mas, às vezes, finge que não. No fundo, ele conta sempre comigo. E ele "vara-me" sempre.
Obrigado por ter vindo.

Anónimo disse...

Quero esclarecer que, embora subscreva o que é dito no segundo comentário da Ibel,essa Ibel não sou eu e que o "fingimento" tem limites.
Mas se alguém gosta de se fazer passar por mim,faça favor de estar à vontade, desde que esteja na"minha onda".

Nanny disse...

E com isto o macaco virou de activista e agitador em grevista... e tu juntaste-te a ele :P

Um beijo

Anónimo disse...

Qual activista!!!
este tipo é uma verdadeira bomba de neutrões !!!
e é tipo... e não tipa!
Porque não usa 7 saias isso não tenho duvidas!!!
Estou a gostar. Continua.

TempoBreve disse...

Ibel:

Com que então, anda por aqui mais do que uma Ibel. Deve ter sido engano; uma confusão qualquer, que os dedos muitas vezes fogem para as teclas erradas. Mas como estão na mesma "onda", o caso está resolvido, tal como você afirmou.
Um abraço para a si, e outro para a outra Ibel, que não vai voltar a enganar-se.
:-)

Anónimo disse...

Como é que sabem com tanta certeza que você não usa saias,se as saias não o largam?

TempoBreve disse...

Nanny:

(Que raio de nome!)

Começo por dizer que. E, se quiser saber o que é o "que", vá ao outro comentário que deixei no "Tempo" para si.

Activista, agitador e grevista são funções acumuláveis. Foi o que o macaco fez, que anda apaixonado, e se tornou cavaleiro, defendendo causas nobres, mesmo que no meio delas existam algumas que não.
Claro que me juntei a ele. Fui eu que o armei cavaleiro! Claro que tinha de estar com ele!
Com ele e com todos os outros, deveras injustiçados; e muitos até assustados.
:-)

TempoBreve disse...

Caro algoritmo:

Você ainda me arranja sarilhos, pondo-se a falar em bombas. E logo bombas de neutrões. Você não sabe que as "Peles" estão sob escuta por serem muito perigosas?
Obrigado por ter vindo, e pelo favor de ter gostado.
Apareça sempre.

TempoBreve disse...

Olá, D. Lucas!

Se as saias não me largam, é porque eu não uso saias. Quer um argumento maior?
Ou será que as saias endoidaram, e tudo são saias para elas?
Olhe que estou a brincar. Assim como você está.
As saias que aqui vêm, vêm porque gostam de vir, de ler e de escrever; e é exactamente o que acontece com as calças que aqui vêm.
Sejam calças, sejam saias, por todos aqui espero.
E espero por você também.
E mando-lhe um abraço, no caso de você ser calças; e mando-lhe um sorriso, no caso de você ser saia.