segunda-feira, 30 de julho de 2007

Amigos perdidos, onde parais?

Onde é que estás, Anwar Namani? Ainda estás aqui? Ou a desgraça das guerras já te nos roubou?
Que fizeram dessa tua terra mártir do Líbano? Que te fizeram a ti? Ainda abraças a bandeira do cedro, do cedro que é símbolo e diz mais que palavras? Ou a bandeira morreu?
Que fizeram a Beirute, a tua cidade? Que fizeram à rua onde tu moravas, que as minhas cartas nunca a encontraram? Sabes que a cada bombardeamento eu te escrevia? E que a cada ruína de casa abatida eu pensava em ti?
Lembras-te de quando fomos a Madison, no Wisconsin, à universidade, falar dos nossos países, com o Noel Hobbs, o da Nova Zelândia, que foi falar do dele também? Lembras-te como nos saímos tão bem, naquele anfiteatro enorme,que nos assustara, com as respostas que demos: tu com aquela tua história da lua; eu com aquela minha história de chamar a rapariga ao palco para lhe mostrar; o Noel com aquela história sua dos carneiros?
Lembras-te daquele livrinho compacto que me ofereceste, O Profeta, do teu conterrâneo Kahlil Gibran, na versão inglesa em que foi escrito? Lembras-te da dedicatória em árabe que nunca me traduziste, seu malandro manhoso? Sabes que ainda o tenho? E sabes que o consulto? E sabes que nenhuma tradução lhe faz toda a justiça? E sabes que o recomendo?
Não respondes a nada? Não vês que as perguntas não interessam nada? Que as respostas não interessam nada, desde que respondas, seja aqui ou ali, seja isto ou aquilo, seja sim ou não?
Não sou eu que pergunto. Somos todos nós, os que lerem isto, e mesmo os que não. E tu não és tu, antes todos quantos cruzaram suas vidas com as nossas vidas, com evocações de histórias felizes. E com quem fomos perdendo o contacto. Fosse como fosse. Fosse por que fosse. Mas nós lembramo-nos deles. E queremo-los de volta.
Por isso, Anwar Namani, e vós todos quantos, vá de responder:
- Estamos aqui.

sábado, 28 de julho de 2007

Não estamos sós

Apontaram-me o dedo para o céu e disseram-me que deus estava lá. Era muito menino, e não consegui vê-lo. Mas quem mo dizia, sabia. E eu disse que sim, que estava bem. E vi as estrelas que ficaram para sempre comigo.
As estrelas disseram-me poemas secretos de amor e de bem. E falaram-me de vastidões onde me perdi sonhando. Onde me fundi cantando. E soube então que não estamos sós. Porque me reconheci, pequenez sentida, com o seu lugar, na imensidão sem fim, de pequenezas feita.
Não. Não estamos sós. Enquanto existirmos, e se mesmo formos, teremos sempre em nós a bênção sentida dos outros, sem os quais não somos.
Por isso devemos querer-lhes muito e bem. E acordar neles o mesmo desejo de querer muito e bem a outros ainda. E depois a outros. E a outros ainda.

quinta-feira, 26 de julho de 2007

Nem bosque nem melro

O Tempo, um presumido, afirmou, assim sem mais, que todos gostaram de piscos e cucos. E até apelou à falaciosa mentira para dizerem que sim, que se não gostassem deles é porque não gostavam de si. Um descarado. E , não satisfeito com insolência tamanha, lá foi deixando a dúbia promessa de lhes vir a deixar outra ave - o melro.
Só que o melro foi ele ao insinuar tal desvario. Foi para ganhar tempo, e para irritar quem não tivesse gostado das aves primeiras, isto é, toda a gente. Mas fez-se justiça, que ninguém lhe ligou.
O mal é que agora ele vai mesmo cumprir a promessa. Para se vingar da afronta. Ainda não o fez por preguiça, embora insinue que é falta de tempo.
Aquele velho melro tão especial, que há muito vagueia por entre as folhas dum bosque que é livro, vinha-lhe mesmo a calhar. Ao prazer de cumprir a promessa, juntaria o regalo de uma história galharda. Tudo sem grande trabalho. E poderia até aproveitar-se e dizer-se autor. Um descarado.
Tudo muito bem. Ele sabia o autor e o título do livro e do texto. E procurou. E procurou. Afanosamente. Estante a estante. Esvaziou prateleiras. Pôs montes de livros no chão. Barafustou. Rogou pragas. Proferiu palavrões. Fez responsos vários. Nada.
Foi muito bem feito. Quis irritar, e irritou-se primeiro. Quis facilidades, e encontrou trabalhos dobrados. Para que aprenda.
Agora vai ter que sujeitar-se a um textozeco mal amanhado que vai ter que escrever, e a uma fotografiazeca que vai ter de arranjar. Só por teimosia. Só para incomodar.

sexta-feira, 20 de julho de 2007

Manias do Tempo

De tanto insistir, tive que lhe fazer a vontade. Sim, a ele, ao Tempo. Ele quer despir-se. E eu lá tenho que o ir contendo. A custo. Que ele é de cabeça dura. Deita mão qualquer argumento. Que tenha lógica ou não, isso não o incomoda.
Hoje convenceu-se que fazia anos. Só faz um mês, mas está bem. Pediu, insistiu, amuou - queria um e-mail. Só para o calar, arranjei-lhe um. Com o nome dele. Tinha que ser. Está no perfil , evidentemente.
Eu sou culpado daquela mania que ele tem. A do querer despir-se. Um belo dia eu contei-lhe a história do Príncipe Sapo. Ele, estúpido, percebeu tudo mal. Passou a achar-se sapo, naquela convicção palerma de poder vir a ser príncipe. É por isso ele quer despir-se. Mas a seguir eu sei que ele vai querer tirar as peles também. Como o príncipe sapo.
Eu bem lhe digo que, por mais peles que tire, ele será sempre sapo. Mas ele acha-me tolo, e julga-se príncipe a ser, que é que lhe hei-de eu fazer?

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Como nós humanos

Eu bem disse ao Tempo que tornar-se blogue era um disparate. Agora virou-se para as aves. Podia deixá-las no romantismo chão com que o povo as veste, mas não. Já fez duas vítimas: o pisco e o cuco. Devassou-lhes a vida.
As aves com asas, que cantam e voam, gostam, vaidosas, que se apregoem seus virtuosismos cuidados, mas seus descuidos não. E as aves sem asas - porque as esqueceram, porque as venderam, porque lhas ataram, porque lhas cortaram, não cantam nem voam- gostam que as chorem, mas tremem de medo só de pensar que um dia se possa falar dos sonhos que já sonharam, mas agora já não.
Também o pisco e o cuco gostaram que o Tempo lhes falasse dos dotes, mas dos defeitos, não.
Gostaram das fotografias, embora se achem mais bem bonitos; envaideceram-se das cores com que os brindou; ufanaram-se da beleza que ele viu nos seus cantos; agradaram-se de ele os dizer cantos de amor e de vida; riram-se com graça e malícia dos ardores que lhes adivinhou.
Gostaram de tudo. Só houve um senão. Aquela coisa do ninho, de que o Tempo cruel falou insensível. Viram naquilo, cada um a seu modo, e sabe-se lá a razão, insinuação crítica de descuido e defeito. E, sincronizados, apressaram-se logo ali a branquejar qualquer sombra de dúvida.
Acusaram-se de inocentes. Que não tinham culpa. Que era mesmo assim. Era a natureza. Era a tradição. Era o destino. E era condição sua cumprirem estóicos o destino que é seu.
As virtudes sim. Os defeitos não. E a culpa nunca.
São tão humanos, o pisco e o cuco, não são?
E tão piscos e cucos que os humanos são, ou não?

sábado, 14 de julho de 2007

Aselhices

Aquele último postal do Tempo, aquilo tem lá algum jeito? Já leram o título? E olhem que eu sei que ele passou toda a santa tarde naquilo. O texto, escreveu-o ele depressa. Agora a imagem, nem queiram saber! Ai as risadas escarninhas que o cuco deu!
Ele era clicar aqui, ele era clicar ali, ele era clicar acolá, mas nada. Lá aparecia uma roda bem-me-quer que girava e girava, anunciando o carregamento da imagem, mas nada. Nunca aparecia nada. Aparecia sempre a mesma janela onde ele deveria dizer que sim, que queria. Mas ele, nada! Cegueta, limitava-se só a fechá-la. Para ganhar tempo, evidentemente. E aquilo nunca mais andava nem desandava. Como poderia, se ele não dizia que sim, que queria continuar, apesar do aviso? Horas após, lá a colocou, mas no sítio errado. E depois tirá-la?
Lá conseguiu, o coitado. Finalmente. E, quando conseguiu, considerou-se perspicaz. Uma incompetência à prova de bala, é o que é.
Eu bem sei que se ele ler isto vai dizer que não. Que demorou apenas uns minutinhos extra para titular o texto e para titular a imagem. Fez um lindo serviço, lá isso fez!
Já agora, e por falar em titular:
- Ai, cala-te, boca!
- Calada já estou.
- Sua língua de trapos!
- Olha quem falou.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Vou mesmo ficar com elas

Bom dia!

No último texto, Arejando as saias, dei conta de algumas das peripécias por que passei para lhes oferecer O pisco. As minhas hesitações na escolha do texto, primeiro, e na escolha das palavras certas e finais, depois, poderiam indiciar um caso clínico grave, mas dizem-me que não. E eu vou confiar.

Disse, noutro lugar, que esse texto, Arejando as saias, era quase um pedir desculpas pelos dois primeiros textos de Sete Peles Sete Saias. Estavam ambos à espera do esquecimento ou de uma roupagem mais a preceito. Foram descobertos assim como estão, e assim vão ficar. Até ver.

O título, Arejando as saias, prende-se com duas características minhas: obedecer a quem manda, e alguém atrevido me mandou arejar as saias, muito embora eu seja mais de peles; e não ser capaz de abandonar sem dor a peregrinação da pele na sedução da saia, pelo que retomo, arejando, as Sete Peles Sete Saias, não obstante os protestos do tempo. E até porque, ficando nelas os dois prematuros textos que já referi, elas teriam de ficar também.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Arejando as saias

Mesmo que já escritos, os textos que fazemos tornam-se canseiras quando os acordamos. Poucos são os que não merecem reparos paternos, principalmente quando os procuramos, para os transcrever, por qualquer razão.
Aconteceu-me ontem. Queria um novo texto para escrever aqui, e até já sabia qual - aquele ali, em forma de poema, amarelecido o papel pelo correr dos dias. Era fácil. Estava decidido.
Arranquei-o da parede onde tem estado pregado com sucessivas camadas de fita adesiva. E só então reparei que esse poema nunca teve título escrito, que para mim não é necessário. Mas para quem o lê, talvez. E o único título que na pressa me vinha era Epitáfio. Imaginem só! Não podia ser.
Fui-me a umas gavetas, autênticos arquivos do caos. Tirei papéis às manadas que fui dispondo pela mesa grande aqui onde estou, e ia pensando: este não; este talvez; este é só apontamento; este tem que ser reescrito; este qualquer dia livro-me dele; este, O pisco.
Também não tinha título, mas ficou, logo ali, a ser ele, O pisco. Tinha três versões, mas não havia problema: uma era rascunho longo, e as outras duas eram iguais e finais. Era o que eu pensava.
E vai daí, toca a transcrever. No fim, reparei que numa versão aparecia no princípio dum verso a expressão Em flores, na outra já era Nas flores, e eu escrevi De flores. De? Em? Nas? A diferença é mínima, mas nem imaginam a diferença que faz.
O pisco é um poema curto e simples que conta uma história. Mas por debaixo dela há outras histórias. Tenham a bondade de o ler no TempoBreve, que me rouba tudo. Ai, este ladrão que me tira a pele e me rouba as saias!