sábado, 24 de novembro de 2007

Anda apaixonado, mas eu vou curá-lo

O senhor macaco é mesmo um perito. Peça central da minha manobra secreta, ele foi exímio na sua eficácia. Eu agradeci-lhe em forma de texto, fazendo justiça à sua figura. Não exagerei nada, embora pareça, na descrição que fiz dele em O macaco e eu.
Eu sei muito bem que ele é curioso, e vai de sala em sala, de estante em estante, de gaveta em gaveta, vasculhando tudo na Casa das Letras, que é um sítio nosso. Tudo o que eu escondo, tudo ele encontra. Mostrei-lhe, então, O macaco e eu, até porque o texto era para ele, e não vale a pena esconder-lhe nada.
Despachou o primeiro parágrafo duma assentada, como que só a fazer-me a vontade. Atirou-se ao segundo, e foi avançando atento, cada vez mais lento, até estacar, numa concentração total, quando o terminou. Titubeou, quase imperceptível, com a emoção, num tremer de lábios. Olhou para mim. Tinha no olhar um brilho de água lustral, tão de humanidade. Eu sorri-lhe meigo. Caiu-lhe então o olhar, turvado de névoa, no terceiro parágrafo, todo desfocado. Para o ajudar a chegar ao fim, apontei-lhe com o dedo, palavra a palavra, que eu ia sussurrando para ele ouvir, como se fosse ele que estivesse a ler.
Quando terminei, ele descompôs-se todo numa emoção franca. Atirou-se a mim. Apertou-me os ossos em ímpeto de abraço muito apertado. Fez das minhas costas tambor ressoante, com a emoção a escapar-lhe em ritmo das suas mãos agitadas. Pescoço inclinado, encostado ao meu, escondia as lágrimas, e emitia uns sons sincopados, que eram juras de agradecimento, e de amizade, e de dedicação eterna e inteira, até ao fim dos tempos. Assim são os homens. Uns sentimentais. Quando a emoção os liberta.
Vou ficar por aqui. Mas já lhes contei que ele anda estranho. Anda mais distante. Até parece que já não quer ser eu. Já sei o que foi. Já descobri tudo. Ele leu qualquer coisa. E acreditou. Alguém o seduziu. Anda apaixonado.
Mas depois lhes conto. E não se preocupem, que o vou curar. Já sei a doença. Já sei a culpada. Que até podem ser várias. Sei o diagnóstico. Elas vão pagá-las. Não se preocupem, que eu vou curá-lo. Elas vão pagá-las.
:-)

20 comentários:

Anónimo disse...

Não o cure do que lhe faz bem e diga-lhe que acredite nela(s).
Responda-me só a isto: ele foi lá?

Anónimo disse...

Macaco não dorme
Que sonha acordado
É tarde devia
Estar já deitado
Mas sonho de Bela
Não deixa dormir
Que nome é princesa
Que o faz sentir
Entre terra e céu
Poema inacabado
Pisco escondido
Granito encantado?
São horas de sono
Olhos de fechar
Estrelas de asas
No céu a brilhar.

Macaco não dorme
Perdeu vinha e fome.

Anónimo disse...

"Macaco não dorme" e TempoBreve parece que também não! Espero que àquela hora já tenha passado a paixoneta ao bicho. Além disso, parece-me que, dada a vossa cumplicidade, não será difícil fazê-lo voltar, esquecendo aquilo que aparenta ser o despontar de um simples amor passageiro (fraquezas que até um pensador tem!).
Façam favor de viver em harmonia e tenham um muito BOM DIA.

Anónimo disse...

"O poeta é um fingidor", mas há quem não saiba o segredo e por isso vê misteriosos romances onde é só fantasia.
Proponho, Senhor Tempo, que dê corda à história também pela fantasia se encontra a harmonia e se for numa "cova de moura " é muito mais misterioso.

Anónimo disse...

Ora aí está: gosto dessa solidariedade da Maria. Será cumplicidade? Agurdemos as cenas dos próximos capítulos, a menos que o pobre bicho tenha ido produrar bananas para outo lado...

Anónimo disse...

Deixem o pobre macaco sentir à vontade,simpáticas criaturas!Para ver,já tem os olhos!

Anónimo disse...

tem olhos para ver...E banana para vos comer?

Anónimo disse...

Imprevisível,dinâmico,crítico, interactivo,provocador,humorístico,trocista,sarcástico,aguçado e atrevido. Um blogue que vale a pena.
Tenho pena de não ter tempo para o ler com cuidado, mas gostei do que li.
Somos colegas de escolas diferentes, mas quase conterrâneos.
Um abraço.

Anónimo disse...

Ó Lucas,isso não se faz!Tive de ir a correr e já não fui a tempo,cos diabos!É que as águas soltaram-se-me com o riso.você também não faz por menos,não faz não.

TempoBreve disse...

Caro anónimo -1 :

Vou curá-lo. Tem que ser. Mas não se peocupe. Eu vou curá-lo duma forma tal que a doença que ele tem - doença sublime -, se vai transformar num sentimento, mais duradouro; mais duradouro e melhor.

TempoBreve disse...

Caro anónimo -2:
O macaco dorme. Até para sonhar mais. Não perdeu vinha e fome. Até porque a vinha é minha. E, se bem leu, o macaco agora já não quer ser eu.
Obrigado por ter vindo. Obrigado por ter lido. Obrigado por ter escrito.
Volte sempre.

TempoBreve disse...

Cova da Moura:
Que nome mais de lendas e lindo! Eu conheço um lugar que é "A Cova dos Mouros". Mas adiante.
Tenho-lhe a dizer que o macaco dorme. Ele é sensato, apesar do seu desarranjo mental. Contei-lhe uma história, e ele dormiu bem.
Mas, quando acordou, eu percebi bem que ele ainda andava com aquelea paixão. Solta ais profundos, que causam vendavais; e são tão intensos que, quando os dá, se agarra aos carvalhos para não cair. Mas eu vou curá-lo. Já disse que vou.
A minha cumplicidadde com ele vai facilitar a coisa. Mas você não chame àquilo coisa passageira. É que se ele vem aqui e lê isso, ficará zangado, e a situação irá complicar-se.
Sabe como é: quando alguém está apaixonado, como ele está, não admite - qual D. Quixote -, que a sua paixão não seja a maior de todas. Enfim!
Mas eu vou ver se o chamo à razão. Vou ver se lhe tiro aqulela fraquesa para, no lugar dela, pôr lá uma outra ainda pior.
Eu vou conseguir. Tenho a certeza. Até porque ele é um macaco, e não um simples humano cheio de fraquesas.
Obrigado por ter vindo. E cuide das mouras.
:-)

Anónimo disse...

Olá, como vai o tempo?
Vai bem certamente, porque o sol jorra com alma e sentidos,com um sol a dançar perto da boca e do coração.
Não consigo imaginar o seu amigo sem aquele olhar trocista e desafiador ,olhar espelho de um espírito irreverente.
E agora você diz que ele anda apaixonado e que vai curá-lo.
Faça isso,se for para o bem dele.
Mas se quer um conselho- deixe-o saborer o pulsar do coração para conhecer a melodia do universo.
E, em vez de bananas,dê-lhe outros frutos.
Um beijo para si, depois de ter passado a mão pelo pêlo ao"macaquinho".E estava bem fofinho!

TempoBreve disse...

Olá, Maria:
Obrigado, Maria, por vir aqui lembrar isso do Pessoa. Sim:

"O poeta é um fingidor".

Assim deve ser entendido o que aqui se vai escrevendo: fingimento, fantasia, dores deveras sentidas em forma de pensamento, dores ou alegrias, apenas da invenção surgidas, mas que podem ser reais, quando depois se tornam lidas. Mas isso que é que interessa, pois se só a cada um é que poderá interessar?
Não se deve vir aqui, para ler o que aqui está, duma forma limitada, com leituras de uma pele.
Vou pensar nesse assunto de dar corda à história; uma corda para a prender, para ver se não se descontrola.
Não. Já tem mais dois episódios. Só que ainda não estão escritos. Não tenho tempo para tudo.
Isso da cova da moura, até poderia ser. Vamos a ver.
Até breve e obrigado.
:-)

TempoBreve disse...

Olá, cova da moura!

Voicê a e a Maria já andam de cumplicidades solidárias? Acho que fazem mui bem.
Não tenho bem a certeza, mas deve haver mais capítulos. É que eu não posso abandoanr agora, em tempos de fragilidade, aqule amigo meu, que até dizem que sou eu.
Não. Não o vou abandonar. Ele vai sair-se bem. Haverá mais um episódio, só para acabar com a doença. E logo depois se verá, se haverá recaída ou não.
Mas já reparou no que disse, naquelea parte final do seu comentário? Parece até ofensivo, tratá-lo por "pobre bicho"; ele que é um grande senhor! E insinuar até, que ele possa ter ido às bananas! Ah! Isso não é bonito. Ele está muito doente com aquela paixão sua, mas não é nenhum banana que que ande atrás de bananas numa bananeira qualquer.
Eu acho que você devia até pedir-lhe desculpa. Olhe que ele é sensível, e ainda embirra consigo.
:-)

TempoBreve disse...

Caros anónimo 3, lucas e anónimo 4 (que deve ser o 3):

Agradeço a vossa visita e os vossos comentários. E agradeço, ainda e principalmente, o interesse e a simpatia que têm por esta história - a história do macaco.
Deixemos então que ele sinta, e se sinta muito bem, com o que a história já conta, e possa vir a contar.
Ele usa todos os sentidos, sentindo-os ou descrevendo-os, e sem qualquer restrição. Tem a arte de o fazer, e a liberdade também, e sempre com elegância.
Voltam sempre, e obrigado.
:-)

TempoBreve disse...

J. Miguel:

Confesso que não tenho palavras com que responda às suas.
Se digo que gostei delas, pode parecer heresia, insinuando que as mereço; se digo que as não mereço, pode parecer falsa modéstia, dando a entender o contrário; também não posso insultá-lo, dizendo que você disse aquilo que não queria dizer.
Por isso, e para abreviar, eu apenas vou dizer que pecador me confesso, por me ter envaidecido com as palavras que me deu.
Agradeço-lhe o ter vindo; agradeço-lhe o ter lido; agradeço-lhe a simpatia de palavras tão bonitas.
Um abraço, e até um dia.

TempoBreve disse...

Cara Ibel:

Não obstante eu desconfie que você ainda está do lado de lá, eu vou fazer um esforço, fazendo de conta que não. Por isso, vou responder-lhe.
Olhe! O tempo está muito bom porque as noites estão frias, e isso adormece a terra e mata a bicharada nociva, preparando o advento de nova vida a crescer. Mas, ao contrário do tempo, o "Tempo" anda danado. Não o posso aturar, tão grande é a ciumeira que ele sente pelas "Peles". Diz que elas lhe roubaram a coelha e o macaco, chamando a atenção só para elas, e deixando-o no esquecimento.
Quanto ao meu amigo macaco, têm-no tratado tão bem, que cada vez me arrependo mais de não ter mentido e dito que o macaco sou eu. Mas agora já é tarde. Agora não volto atrás.
E fique também sabendo que ele anda arredio, e não se aproxima de mim, com medo que eu o cure. Eu bem lhe digo que a cura será só para seu bem. Mas ele não acredita, de apaixonado que está.
Claro que vou deixar que sinta os sons de todas as cores, e o sbor de todas as mãos que lhe afaguem o pêlo. Mas fazê-lo acreditar!
Eu sei que vou consegui-lo, mas não vai ser nada fácil, porque um ser apaixonado sente tudo tão intenso que vive em plenitude. E, quando se vive assim, mesmo que seja um breve engano,não se acredita em mais nada, só porque não há mais nada, fora dessa plenitude.
Eu compreendo-o bem, porque até nisso ele é humano.
:-)

Anónimo disse...

Se você o cure ele perde a graça e sem ela ,ele não tem graça nenhuma.

TempoBreve disse...

Caro anónimo:

Se eu o curar,vou curá-lo com graça.
Você tem razão: ele sem graça, não teria graça nenhuma.
Obrigado por se preocupar com ele.
Obrigado pela visita.