domingo, 23 de março de 2008

"Vicente", um corvo que canta ousadia e liberdade*

Torga escreveu:

"Mesmo desprovido de acção imediata,um protesto é sempre um protesto. Uma vez feito, desliga espiritualmente o seu autor da canga rotineira a que vai jungido, compromete-o publicamente com a subversão, solidariza-o com os demais revoltados, e movimenta a passividade, irmã gémea da conivência. Repõe o indivíduo marginal no clima do seu tempo histórico, e dá-lhe a possibilidade de semear ao menos o penisco da esperança no chão actual.Os filhos ou os netos que usufruam depois as vantagens do pinhal crescido".

Como são proféticas e actuais estas palavras escritas há exactamente 50 anos. Temos de ser como o Vicente, o corvo de Os Bichos, e preferirmos enfrentar o dilúvio a entrarmos à força na arca que estes Noés de meia tigela nos querem impingir.

José Coimbra
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*Nota: Texto enviado por José Coimbra, a quem agradeço. E, já agora, leiam e releiam Os Bichos, do Torga. Eu faço-o muitas vezes. Tão humanos, aqueles bichos.

4 comentários:

Anónimo disse...

Lindo "este pedaço" do Torga!
O "Vicente" é um conto forte, audaz,apelativo. Incita ao grito e ao protesto, ao voo alto, de cabeça erguida e desafiadora. Foi pena " OS Bichos" deixarem de ser leitura obrigatória.

Anónimo disse...

Sim,temos de ser como o Vicente e enfrentemos o dilúvio,a tempestade,o mal estar e a má imagem que os Senhores da Educação tanto querem,à força,fazer passar.

TempoBreve disse...

Gaivoar!

Foi pena deixarem de ser de leitura obrigatória. E nós deixamos. Porque nunca nos unimos. Porque muitas vezes calámos. Aceitámos sempre as modificações dos programas que, ano após ano, foram sendo mondados de conteúdos importantes. A Literatura, essa práticamente foi "varrida". As obras literárias nos programas de Português, foram desaparecendo uma a uma. O que até se comtreende para quem quer imbecilizar o ensino.
Já reparou que as obras literárias obrigam a leituras mais ponderadas; já reparou que as obras literárias aguçam a sensibilidade, o pensamento, o espírito crítico, o espírito de observação, a capacidade de relação? E, então, se os alunos aprendessem - e aprendiam -, a relacionar os conteúdos das obras literárias, que já constaram dos programas, com a sociedade presente? Já viu como seria "perigoso"? E estes senhores não querem isso. Por isso, toca a retirar, em nome do facilitismo, tudo que possa exigir mais esforço, tudo o que possa ajudar a aguçar o pensamento, a aguçar o sentimento, a aguçar a compreensão do mundo.
Praticamente, resta o Eça, e um pouquinho do Pessoa. E qualquer dia também saem.
Agora que falei no Eça, será que a ministra o leu? E o Sócrates? Bem. Esse é mais do Inglês Técnico.

TempoBreve disse...

Eduarda!

A ministra cometeu o erro de pensar que o pensamento e o sentimento dos professores se deixariam prender medrosos na barca prepotente da sua "reforma" irracional. Enganou-se, que o pensamento não se prende. E o sentimento de injustiça não se abafa fácil.
Os professores rebentaram os espartilhos, e soltaram a sua voz, e passearam cidadnia pelas ruas do país. Fizeram como o Vicente. E a "toda poderosa" ministra, logo ao primeiro abanão a sério, perdeu completamente o norte, e a barca da Educação, ruma à deriva sem leme.
Quer ela queira ou não, quer ela entenda ou não, são os professores ainda, apesar do mal que ela tem feito, que ainda estão a sustentar essa barca, a barca da Educação, para que ela não se afunde completamente no lamaçal pestilento para onde a ministra a atirou.
O país já está a entender isto.
Oxalá acorde a tempo.
:-)