quinta-feira, 17 de abril de 2008

Lembrem-se de Pirro*

Crónica de Santana Castilho, professor do ensino superior, no PÚBLICO, 16.04.2008

É verdade que os sindicatos ganharam uns trocos. Mas o lance era para devolução integral: da dignidade perdida

Comecemos por uma questão semântica: entendimento e acordo são vocábulos sem diferenças, do ponto de vista da significação, que justifiquem o esforço da Plataforma Sindical para os distinguir. Vão a um bom dicionário. No contexto que "aproximou" sindicatos e ministério, são sinónimos. Mas se essa fosse a questão, então capitular dirimia o conflito. E não estou a ser irónico. Voltem a um bom dicionário.
Posto isto, passemos ao que importa. ministério e sindicatos acertaram, concertaram sob determinadas condições. No fim, os sindicatos cantaram vitória. Permitam-me que invoque alguns argumentos para desejar que os sindicatos não voltem a ter outra vitória como esta.
A actuação política deste Governo e desta ministra produziu diplomas (estatuto de carreira, avaliação do desempenho, gestão das escolas e estatuto do aluno) que envergonham aquisições civilizacionais mínimas da nossa sociedade. A rede propagandística que montaram procurou denegrir os professores por forma antes inimaginável. Cortar, vergar, fechar foram desígnios que os obcecaram. Reduziram salários e escravizaram com trabalho inútil. Burocratizaram criminosamente. Secaram o interior, fechando escolas aos milhares. Manipularam estatísticas. Abandalharam o ensino com a ânsia de diminuir o insucesso. Chamaram profissional a uma espécie de ensino cuja missão é reter na escola, a qualquer preço, os jovens que a abandonavam precocemente. Contrataram crianças para promover produtos inúteis. Aliciaram pais com a mistificação da escola a tempo inteiro ( que sociedade é esta em que os pais não têm tempo para estar com os filhos? Em que crianças passam 39 horas por semana encerradas numa escola e se aponta como progresso reproduzir o esquema no secundário, mas elevando a fasquia para as 50 horas?). Foram desumanos com professores nas vascas da morte e usaram e deitaram fora milhares de professores doentes (depois de garantir no Parlamento que não o fariam). Promoveram a maior iniquidade de que guardo recordação com o deplorável concurso de titulares. Enganaram miseravelmente os jovens candidatos a professores e avacalharam as instituições de ensino superior com a prova de acesso à profissão. Perseguiram. Chamaram a polícia. Incitaram e premiaram a bufaria. Desrespeitaram impunemente a lei que eles próprios produziram. Driblaram as leis fundamentais do país. Com grande despudor político, passaram sem mossa por sucessivas condenações em tribunais. Fizeram da imposição norma e desrespeitaram continuadamente a negociação sindical. Reduziram a metade os gastos com a Educação, por referência ao PIB. No que era essencial, no que aumentaria a qualidade do ensino, não tocaram, a não ser, uma vez mais, para cortar e diminuir a exigência e castrar o que faz pensar e questionar.
A questão que se põe é esta: por que razão esta gente, que tanto mal tem feito ao país e à Escola, que odeia os professores, que espezinhou qualquer discussão ou concertação séria, que sempre permaneceu irredutível na sua arrogância de quero, posso e mando, de repente, decidiu "aproximar-se" dos sindicatos? A resposta é evidente: porque os 100.000 professores na rua, a 8 de Março, provocaram danos. Porque a campanha eleitoral começou a reparar os estragos para garantir mais quatro anos.
O tempo e a oportunidade política da plataforma sindical aconselhava uma firmeza que claudicou. Porque quem estava em posição de impor contemporizou. Porque de um dia para o outro se esqueceram as exigências da véspera. Porque quem demandou a lei em tribunal pactuou com uma farsa legal. Porque quem acusou de chantagem acabou a negociar com o chantagista. Porque quem teve nos braços uma unidade de professores nunca vista pensou pouco sobre os riscos de a pôr em causa.
É verdade que os sindicatos ganharam uns trocos. Mas o lance não era para trocos. Era para devolução integral: da dignidade perdida.
Aqui chegados, permitam-me a achega: pior que isto é não serem capazes de superar isto. E lembrem-se de Pirro, quando agradeceu a felicitação pela vitória: " Mais uma vitória como esta e estou perdido".
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Notas:
1 - Já devem ter lido este texto, mas, se não leram, devem lê-lo; subscrevo-o inteiramente;
2 - A verdade é dura de roer; por isso, os que estão preocupados com o Mário Nogueira, estão a atacar este artigo e o seu autor: uns com mais argúcia e com alguns argumentos, que até são de respeitar, outros com menos argúcia e com argumentos forçados; outros sem argúcia nenhuma, e com frases e nomes de propaganda antiga que atentam contra o pensamento;
3 - A verdade é que o acordo foi feito muito à pressa, para o texto sair num fim de semana, com os professores fora da escola, em cima da hora dos Plenários anunciados, e para ser logo"aprovado" às 8h30, de terça-feira passada, não dando tempo para reunir e discutir um acordo tão vazio;
4 - É que se não fosse assim, muito pouca gente, ou ninguém, ia aprovar aquela coisa; imaginem que tínhamos três ou quatro dias para pensar! Quem é que o ia aprovar? Os tais 90%? Eu não acredito nisso.
5 - O Mário Nogueira usou os mesmos truques que a ministra da Educação: textos em cima da hora, e a correr; argumentação com estatísticas, sem que se saiba o valor que têm; insultar os professores discordantes.
6 - Nós vamos continuar. Não precisamos de líderes que se embebeçam e verguem, só porque ficam muito "inchados" porque a ministra os "recebeu". Sabemos que não foi por isso; mas esse é o seu primeiro argumento.
7 - Vamos ver outros caminhos. E, apesar do Mário Nogueira, vamos manter-nos unidos.

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