segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

A honra de sermos homens

A Cova da Moura é uma personagem cujo nome me intriga. Vem de vez em quando aqui, deixando alguns comentários que eu leio sempre simpáticos. Foi o que aconteceu no texto Ainda não sei quem sou, o último que eu deixei pendurado aqui nas Peles.
Escreve ela que ao ler esse texto se lembrou de Miguel Torga, especificando essa lembrança na forma de citação: …Puras miragens, puros impossíveis, / Um a um / Foram morrendo sem deixar ao menos / Traços visíveis / Da ilusão fugaz…/.
Afirma, logo a seguir, que eu aprecio o Torga. Ela adivinha, mas como o faz eu não sei. Tal como o Torga, eu observo a natureza e o humano, ambos num só irmanados, e natureza me sei, que é a única maneira que tenho de saber que sou humano. Mas isto é outra história.
Não obstante tudo isto, e ao contrário da citação, eu acho que somos feitos de miragens e de impossíveis que, mesmo um a um morrendo, vão esculpindo em nós os traços dessas ilusões fugazes. São traços, são cicatrizes, que temos porque sonhamos. E só sonha quem é homem.
Claro que o sonhador vai cair, claro que vai sofrer, claro que vai chorar, claro que não vai chegar aos píncaros daquele monte que tem os sonhos mais altos. Mas sabe que o destino do homem é subir, seguindo as centelhas divinas, que habitam dentro de si, e lhe apontam o caminho do bem, do belo e do amor, mesmo sabendo que nunca.
São traços, são cicatrizes, que temos porque sonhamos; e são símbolos dessa honra, que é a honra de sermos homens.
O Torga sabia disso, e sabia que as centelhas divinas estavam apenas na terra, na terra que era sagrada, e em que ele se fundia, estando nele também. Mas aquilo que ele buscava, não eram as simples centelhas que o faziam poeta, mas sim o fogo eterno, aquele fogo divino, aquele fogo sagrado que ele nunca encontrava em toda a plenitude. Por isso, às vezes dizia que vida não conduzia a nada, e nem sequer deixava traços dos sonhos que perseguia.
O Torga estava enganado. E sabia-o muito bem. Que o único fogo sagrado está escondido na terra, e em tudo que ela tem, incluindo a humanidade. Por isso ele a amava tanto, a escavava e a revolvia, até lhe sangrar a alma, buscando nela o fogo que sagrava a humanidade.
Ficaram-lhe cicatrizes. Porque foi homem e sonhou. E algum fogo deixou, alentando a humanidade.
Que estamos a fazer desse fogo? Por onde anda a humanidade?

6 comentários:

Anónimo disse...

A cova da Moura intriga-o si e a mim.A si, pelo Torga; a mim porque me diz ser não ser quem julgo saber que é. Ainda para mais com Torga! Tá-se mesmo a ver.
A verdade é que por me dizer que não não, deixei aqui no tempo um comentário que deveria ter deixado nos frutos, induzida que fui a pensar noutra pessoa.
Eu gosto da heteronímia e o(a) malandro(a) disfarçou bem...
Bem, mas o que aqui me traz não é quem desconheço, mas o tempo que, cada vez mais, gosto de conhecer.
E então, quando fala da terra e na sua humanidade, põe-se-me alma a choramingar em prantozinho de avezinha que desceu do céu para lhe tocar em chão.É que a terra toda mora em mim em serranias,em estrels da noite sobre os campos para onde eu fugia quando era menina e me sentava no meio do milho, escondidinha, a olhá-las de pasmo, entre o murmúrio da fonte e das vozes que caiam nos cântaros.
Mistério de mistério para quando outra vez isso tudo?Para quando?
Para quando o fogo divino neste tempo de trevas?

Anónimo disse...

Meu caro Tempo, a explicação é muito simples: só passo por cá quando posso! Se a vida de Professor é muito preenchida, a de trabalhador, que também estuda, não o é menos. Resta-nos a esperança de melhores dias...(para professores e alunos!)
Como sei que gosta de Torga? Porque em Outubro, se bem me recordo, pude apreciar a beleza das fotografias que publicou e que a ele se referiam. Ora, só quem tem uma admiração grande por ele se daria ao trabalho da deslocação àquelas paragens para registar em imagens esclarecedoras alguns dos sentimentos que tão bem descreveu por palavras. Ou andava lá por acaso? Como vê, apesar do tempo ainda me não ter deixado muitas cicatrizes - nem rugas - espero que um dia possa sentir um pouco do fogo que refere. Será sinal de que a minha vida teve algum sentido.
Além do desejo de que trnha um BOM DIA, fica a promessa de que tentarei passar por cá mais vezes

TempoBreve disse...

Cara Ibel!

O nome "Cova da Moura" intriga-me só porque na minha aldeia há um monte cujo lugar, lá no alto, se chama exactamente "A COVA DOS MOUROS". Mas ela não pode ser desses lados. E, mesmo que fosse, nos tempos que correm, nem sequer saberia o nome do monte.
Não me preocupo muito em saber quem é que vem cá. Por isso, não perco tempo, e não me engano, suspeitando heteronímias de quem quer que seja. E gosto assim.
Você fala-me, com gosto que se adivinha, de serras e montes, de milho e de fontes, que lhe falam da infância. Sabe que eu nunca imaginei que você pudesse saber muito desses elementos, a não ser de passagem, feita turista, com aqule olhar sem ver que é tão de cidade?
Mas vamos cá a ver uma coisa. Você falou-me de campos de milho, onde ia esconder-se, não foi? Pois! É que isso deixou-me imaginativo. Por isso tive que ler outra vez, e, lendo outra vez, fiquei mais apacificado: é que dessa segunda vez percebi que só se metia milho adentro para se esconder e, escondendo-se, poder espreitar para os passarinhos. Pronto. É natural. Nada de mal. Embora é certo que, mas está bem. Devia ser só uma coisa local, lá da minha terra.
Mas não me diga que também andou pelo meio do linho, do centeio ou do trigo! Ai, aí, se andou, já não sei! Ai, já não sei, não!
Mas também pode ser que esse costume fosse, quase de certeza, um vestígio de ritual sagrado de deuses antigos lá da minha terra. É. Devia ser isso!
Não! Você não iria para o meio do linho. A não ser que você fosse uma rapariga lá da minha terra; a não ser que os rapazes da sua terra fossem os rapazes que eram da minha. Mas isso não pode ser.
Esqueça, lá essa coisa. Você não ia entender. Você não foi. E assim tudo fica bem.
Fique só sabendo que o linho é uma planta de que se faz o linho, que, ainda hoje, é pano bonito, e cobiçado; e que o centeio é um cereal, assim mais como o trigo, do que como o milho. Assim já não há que pensar em mais nada.
Só mais uma coisa: sabe o que é um cântaro?; alguma vez pôs um à cabeça, para ficar elegante e altiva como as mulheres da vila mais linda?; alguma vez um rapaz a ajudou a pôr o cântaro à cabeça?; e, se ajudou, o que é que ele fez?
Não. Você é de cidade. Não pode ter ido ao sítio sagrado. Não pode saber de como o cântaro pesa, para demorar mais; e de como é preciso um apoio fino, fino e vário,no alevantar do cântaro, no baixar dos braços, primeiro, e das mãos depois.
Não sei para que estou a perder tempo a dizer-lhe isto, a uma citadina, que não vai entender, mas vai ficar brava a dizer que sim.
:-)

TempoBreve disse...

Cova Da Moura!

Pode ler no comentário acima por que é que o seu nome me sugere mais qualquer coisa, além da pessoa que você é, e está por detrás dele.
Quanto àquilo do Torga, também estamos esclarecidos: fui lá de propósito para tirar as fotografias; até escolhi a hora, por causa da posição do sol. Olhe que gosto muito delas. Mas não fui só daquela vez. Vou até lá de vez em quando, porque gosto do navio, e nunca me canso de o ver.
Se quiser tirar fotografias parecidas com aquelas, eu até lhe digo o sítio onde deve pousar a máquina, mas depois mando-lhe a conta.
Claro que sentirá do tal fogo. Eu até acho que já o sente. Só que talvez ainda não tenha descoberto o modo de o viver. Leva-nos tanto tempo a aprender o que é feito de bem e de belo, o que é essencial. E até parece difícil, mas está tão perto de nós! Nem sempre nos faz felizes, mas faz com que não sejamos palermas.
Você sabe o que lhe acontece se não voltar cá mais vezes?
E agora vou acabar, pois ainda deve estar com o seu olhar cansado por causa do testamento com que ontem a brindei, e que deve estar aqui logo em baixo. Foi longo, e, como viu, se é que o viu e leu, só aflorei as histórias. Mas a culpa foi só sua, que me sugeriu tanta coisa.
Claro que aquilo que eu lhe disse é tudo inventado e mentira.
Tenha um bom fim de semana.
:-)

Anónimo disse...

De forma um pouco inesperada (nem conto os motivos...),hoje tive algum tempo disponível e cá estou a cumprir a promessa: voltei! Em boa hora o fiz porque fiquei esclarecido quanto à minha quase certeza, no que respeita a Torga. Ainda bem! Não prometo aproveitar a sua sugestão de me deslocar àquelas paragens porque as possibilidades são poucas. Todavia, há sempre outras formas de encontrar aquilo de que, realmente, gostamos. A sua Cova dos Mouros despertou-me um dose de curiosidade que já parece doentia. Não deixo de pensar o que será a sua "Cova" se comparada com a minha. É que, sendo minha e tão pequena, mesmo assim tenho dela tão boas recordações... Será qua acontece o mesmo consigo? Já agora, porque não partilha connosco mais esse "segredo" que se lhe adivinha? Ou será mais uma metáfora? Como não sou de muitas "lamúrias", deixo-lhe apenas o desejo de que passe um BOM FIM DE SEMANA (pelos vistos não começou lá muito bem: nem chocolate, jogo retardado, parceiros pouco colaboracionistas com os seus "devaneios" à mesa da esplanada...)

TempoBreve disse...

Cova da Moura!

Não, a Cova dos Mouros não é metáfora em si. Existe mesmo um sítio com esse nome. Claro que poderá dar-se o caso de, sendo lugar verdadeiro, ser também lugar de metáforas.
É um lugar muito bonito, embora já um pouco alterado. Fica no alto do Monte de Baixo. Tem paisagem magnífica para norte, para sul e para poente. Fica no limite de dois distritos e de dois concelhos. É muito bonito.
E era um sítio de fascínio, por causa daquilo que nos diziam dos mouros, e nós até inventávamos as pedras onde eles se sentavam, e as casinhas que tinham. E havia em muitos penedos pequenas fendas, falhas e pequenas plataformas, que nós juravamos serem os restos das escadinhas das casas que eles tinham. E havia várias grutas, todas com muitas histórias. Mas juro-lhe que uma delas era mesmo verdadeira. Era a gruta da moura mais linda que lá estava encantada. Eu sabia qual era a gruta, pois num dia de muita chuva abriguei-me dentro dela, e ouvia-a a chorar. Falei com ela o tempo todo, até a chuva passar. E quando o sol se abriu, ela deixou de chorar. Ela ainda lá está. E eu sei que é feliz.
Depois lhe contarei mais.
Olhe que o meu fim de semana não começou assim tão mal. Então a história dos cães? Olhe que teria a sua graça se eu aqui a contasse. E a daquela menina e moça, que me deu vinho e canto? Então isso não é bom?
Afinal, qual é a sua "Cova". Não me diga que me roubou a moura, da gruta de que lhe falei!
Tenha uma boa semana.
Um abraço.
:-)