segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Se não vier é passarinha

No último texto que escreveu, o Tempo pensa que não, mas confessou. Pôs-se a jogar com as palavras, mas não lhe adiantou nada. Ainda tentou o truque de dizer que foi o macaco, mas isso foi chão que deu uvas. No fim, diz mesmo que foi ele que o escreveu, mas que não foi ele, que foi um macaco. Um absurdo. Enfim, aquele velho truque de baralhar palavras, para confundir inocentes, não dizendo nada. Ora vejam só a indecência insultuosa daquele título: "Transparente como água turva". Ele pensa que são todos parvos, mas não são. Então a nós, às Peles, é que que ele não engana.
Nesse mesmo texto, também se vê bem o que menino Tempo anda a tentar pôr as Saias, umas doidivanas, contra nós, as Peles, baluartes que somos de seriedade e valor. É a velha táctica de dividir para reinar, como se porventura ele, o Tempo - que é de sangue deslavado e de cor vulgar - pudesse aspirar ao prestígio nobre que o nosso sangue tem.
Mas parece que ele, o Tempo, tem aliados para criar confusão entre nós, as Peles - mui dignas e nobres -, e as Saias, umas regateiras, sem brazão algum. Parece mesmo que ele tem aliança cúmplice com um ser ínfimo que se chama beija-flor - uma avezinha tão pequenininha, que nem nem se vê bem se é passarinho ou se é passarinha. Mas nós, Peles, nada coscuvilheiras, ainda havemos de tirar isso a limpo. E não nos admiraremos muito se for passarinha!
Então não é que essa coisinha, ave pequenina embrulhada em penas, escreveu um comentário, pretensamente simpático, dizendo que nos perdoava a todos: a nós, nobres e senhoras D. Peles; ao Tempo, um casmurro, com um pretenso título de nobreza baixa e rasca, comprado em leilão, de feira e de velharias; às Saias, enfim, umas descaradas, sempre a prometer o que só nós podemos, e que elas não têm? Ao juntar-nos a todos, seres tão distintos, num mesmo saco de rasteira igualdade, essa avezinha, irrequieta e esperta, ofendeu gravemente a nossa nobreza de Peles.
Como castigo por ofensa tão grave, nós, as Peles, com o poder divino que nos foi conferido, ordenamos a essa ave, esquiva e minúscula, que venha já, aqui e agora, mostrar-nos se é passarinho ou se é passarinha; e mostrar-nos bem qual a proporção que ostenta entre pele e penas; e mostrar-nos claramente como se lhe alongam as patas, da ponta dos pés à junção no corpo; e como se lhe agita a cauda, lhe ondula o peito, e saboreia o néctar, quando numa flor vai roçagando o bico.
Se ela não vier mostrar, a ave beija-flor, ficamos a saber que ela é passarinha, vestida de saia, com que o tempo brinca.
:-)

8 comentários:

Anónimo disse...

Um dia, quando estava muito doente, Ela disse-me que eu iria encontrar pessoas muito carinhosas ao longo do tempo.
E não é que o tempo veio,e me nomeou em forma de asa que é a forma que eu gosto de ser?
E depois,esta fitinha de"inhas"levou-me à menina e à voz dominical do pula,pula que você bem conhece.
E agora vou voar até si e vou poisr no granito encantado.
Você conhece-o?

Anónimo disse...

Então o senhor tempo anda a falar de passarinhas? Mas que pensamentos maliciosos! Ou serão bons pensamentos?

Anónimo disse...

Eu declaro tudo que você quiser
Eu declaro tudo para o ver sorrir
Eu declaro ser beija-flor mulher
Eu declaro ser saia,pele,avezinha
Eu declaro ser tudo isso em inha
Eu declaro ser o quanto eu puder!


nota de rodapé: tente ler isto em Brasileiro e verá quanto é doce...

Anónimo disse...

Olá Tempo Breve
É tão falado este seu livro que a gente não pode deixar de espreitar.
Não deixa de ser complicado, mas vou ver no que vai dar a passarinha...

TempoBreve disse...

Água-Mar:

Porque você estava doente, ela dizia-lhe tudo o que lhe pudesse agradar. Por isso lhe falou no plural. Mas eu acho que, na sua intuição apurada, ela estava apenas a pensar no tempo. E cumpriu-se o tempo, como ela prometeu. São as voltas da vida.
Tenha cuidado, que olhe que o granito é mesmo encantado. Mas eu acho que você é ave de encantos, e de encantamentos.
Eu conheço-o muito bem. Por vezes até acho que ele sou eu.
Tenha, pois, cuidado, quando nele poisar. E, se tiver medo, poise num raminho, e namore-o com o olhar.
:-)

TempoBreve disse...

Caro anónimo:

Eu sei que as passarinhas são mais sugestivas que os mortais passarinhos. Mas não há problemas em falar-se delas. Pois, se há passarinhos, e deles se fala, seria discriminação, e até falta de gosto, não falar-se nelas. E elas poderiam até levar isso a peito, e até zangar-se. Que elas são muito susceptíveis, como você sabe.
Não. Nada de pensamentos maliciosos. São tão bonitas, são tão engraçadas, as passarinhas. Como poderiam, inspirar malícia? Não. Bons são os pensamentos, do belo mais belo, os que elas inspiram. Se não, não são passarinhas.
Acredite em mim. E quando vir uma, trate-a bem. Afinal somos todos filhos da natureza, não é?
E, terminando, lembrei-me duma coisa: deve ser por causa delas, das passarinhas, que cada vez há mais ambientalistas homens, mesmo que de ambiente não percebam nada.
E você percebe?
Eu acho que sim.

TempoBreve disse...

1 - As notas e pausas que traça na pauta da sua escrita, num ritmo de embalar, trazem-me uma melodia de longe, que quanto mais vezes a ouço, mais vezes a quero ouvir.

2 - Num inocente beijo de flor, deixou você um comentário recente e breve, dando a benção do perdão ao Tempo, às Saias e às Peles. Eu sei que eles gostaram. Mas, como andam de amuos, inventaram discussão.

3 - Usaram argumentos absurdos. Cada um deles dizia que o perdão não era para ele, antes para os outros dois, já que cada um deles se julga um ser sem mácula alguma a merecer absolvição. E outras coisas assim, e porque sim, e porque não. E não saíam daquilo.

4 - Já estavam de cabeça perdida, mais as Peles que as Saias, e mais as Saias que o Tempo. E eu a assistir àquilo, já meio arrependido de ter inventado tais coisas, que quase já não controlo.
Foi então que, de repente, as Peles se viraram contra si, Beija-Flor, e escreveram aquele texto acintoso - "Se não vier é passarinha".

5 - Chamaram-lhe muitas coisas, e duvidaram até, em tom de provocação, daquilo que você seria - passarinho ou passarinha? E, não contentes com isso - veja lá o descaramento -, exigiram que você viesse a todos mostrar aqui o seu todo e as suas partes, para vermos o que seria.

6 - Eu até fiquei corado, ainda não sei bem porquê. E tive de as censurar, evitando que escrevessem uma das partes que queriam. Mas acho que, apesar da minha censura, elas conseguiram criar uma grande confusão por causa da passarinha, que é só uma palavra - nada mais.
Na verdade, já alguém agarrou na "passarinha" e comentou. E eu lá respondi, fingindo desentendimentos. E já há outro comentário apareceu, e não sei que responder. Talvez diga que foi um simples erro de gramática, a ver se passa.

7 - Como se eu não tivesse já problemas bastantes a lidar com o Tempo, as Peles e as Saias, agora tenho aqui enredada a magna questão, que é a questão da passarinha.
E você, em vez de ajudar, só veio complicar, dizendo-se "beija-flor mulher".
Eu não sei de nada, e nem sei dizer porquê, mas quase garanto que, depois do que você disse, ainda vão confundir tudo e dizer que é passarinha de mulher.
Não sou eu que digo. Mas sei que vão dizer.
:-)

TempoBreve disse...

Caro Toneca:

Quem diabo é que tem tempo a perder falando desta minha coisa aqui?
Se for a dizer mal, têm bem razão; se for a dizer bem, será apenas bondade e simpatia que não mereço.
Você diz que vai ser complicado? E ainda brinca? Nem imagina a complicação. Estou até a pensar emigrar para longe.
Mas que raio de coisa! Então você também viu a passarinha por estas bandas? E também quer saber no que vai dar? Leia o comentário acima, e já perceberá melhor a confusão em que me meteram.
Ai! Estou frito! E tudo por causa daquelas desavenças parvas entre Peles, Tempo e Saias!
Um abraço.