quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Já basta! Demita-se, senhora ministra, que os nossos alunos esperam por nós

INTRODUÇÃO

No programa televisivo de segunda-feira passada, "Prós e Contras", cada um safou-se como pôde e sabia. Houve momentos muito interessantes; houve-os caricatos; houve-os de manobrismo ensaiado; houve-os de mentira; houve-os de inocência; houve-os de controlo de danos.
O tempo era escasso para tanto a dizer, a denunciar, a clarificar. Não admira, pois, que a discussão se assemelhasse, por vezes, a rio de montanha de leito pedregoso e estreito aonde afluía, em catadupa apressada, a lógica argumentativa sem tempo para desenvolver-se clara, e emoção a libertar-se em catarse lá bem do alto da indignação já incontida dos professores. Não admira que tivesse sido assim. Mas, no geral, foi bom, pois a mensagem passou, quer dum lado quer doutro. Só não entendeu quem não quis.

DO LADO DOS PROFESSORES

Do lado dos professores há críticas a fazer, embora, no momento presente, sejam de pormenor.

1 - Os sindicatos finalmente apareceram. Geriram o tempo. Foram eficazes. Não tiveram tempo para mais. Temos de estar com eles. Apesar de tudo. E estamos.

2 - Os movimentos cívicos de professores foram bem aparecidos. Os dois: PROmova e o Movimento dos Professores Revoltados. Apesar do que possam pensar, eu acho que apareceram muito bem. Foram eficazes. Fizeram abanar para uma acção mais dinâmica os sindicatos, chamaram à necessidade de acção muitos professores que se sentiam sós. Fizeram passar a sua mensagem crítica. Mas acusaram a falta de traquejo, de liderança e da perspicácia necessária nestas questões. Afinal estavam a lidar com “profissionais”. Parabéns aos dois. Podem crer que, pelo menos em termos simbólicos, são dos elementos mais importantes na mobilização dos professores.

3 – Arsélio Martins, professor em Aveiro, apareceu como porta bandeira de muita esperança: ele era o “Professor do Ano”, ele era um curriculum vasto, ele era a experiência, ele era a imagem do sábio, ele era o homem de causas, ele era como que um decano prestigiado ao lado da sua classe. Prometeu muito na sua primeira intervenção. Deixou bem claro que os professores não devem ser empurrados pela porta fora, e que ninguém burocraticamente lhes pode dar ou tirar competência. E que a vida do professor vale para ser avaliado, antes e depois dos últimos sete anos.

DO LADO DO GOVERNO

1 – A ministra da Educação começou a falar de equívocos. Mas enredou-se nos seus próprios equívocos. E digo equívocos para ser simpático, porque eu acho que, no que a ela diz respeito, não se trata de equívocos, mas sim de má fé, ou de ingenuidade saloia travestida de activismo frenético, ou de incompetência, ou de tudo isso junto.
A verdade é que a grande maioria de todas as medidas que tomou foram cirurgicamente saindo e propagandeadas de modo a denegrir os professores, fazendo passar para a opinião pública a ideia generalizada e injusta de que os professores só querem regalias, não querem trabalhar, têm férias a mais, não querem ser avaliados. Tudo isso é mentira. Tudo isso é demagógico. Mas cai bem. E a comunicação social, de forma maioritária, e em todos os formatos, tem-na ajudado.
Os professores têm os seus problemas. Têm os seus defeitos. Há-os que não honram a nobreza das suas funções tanto como deviam. Mas isso é uma coisa. Outra coisa é diabolizar irresponsavelmente a classe docente no seu conjunto.
A ministra da Educação avança sempre com as mesmas coisas: as aulas de substituição, a avaliação dos professores.
Das aulas de substituição diz que está tudo bem, que já ninguém fala nelas, o que é mentira. Elas, essas ditas aulas, são estatisticamente cumpridas. Mas não são aulas. E a caricatura, de que ela tanto se queixa, é uma realidade. Qual é o professor digno do nome que pode chamar aulas a essa coisa a que ela chama aulas? Mas ela insiste. Porquê? Porque pensa que os pais são parvos ou desinformados e que ficam contentes, e do lado dela, só porque pensam que os seus filhos, mesmo que um professor falte, continuam a ter aulas. Estão ali presos, com um professor, ali preso também, a fazer de “guarda”. O professor até pode desempenhar esse papel presencial, e até com dignidade. Mas que não lhe chamem aulas, porque aulas não são.
Quanto à avaliação, os professores sempre a tiveram. Que não estava bem? Verdade. Mas lá que a tinham, tinham. Tanto a tinham, que essa mesma avaliação contou para efeitos do famigerado e obtuso concurso para professores titulares, concurso esse que é um monumento à prepotência, à injustiça, à arbitrariedade, e que tem que ser revisto, sob pena de dificilmente mais alguém se entender nas escolas durante muito tempo.
E insiste ela - coadjuvada pela propaganda, pela comunicação sincopada, pelos comentadores que não sabem do que estão a falar -, que os professores protestam porque não querem ser avaliados. É mentira. Não querem é este modelo de avaliação, sem clareza, sem coerência, sem consistência. Mas, claro, ela e os dela, insistem que em todas as empresas e em todas as profissões há avaliações, insinuando que os professores as recusam. Sempre a insinuar para dizer que os professores também têm que o ser. Como se os professores alguma vez se tivessem insurgido contra tal coisa. Não querem é ser avaliados à toa, através dum maquiavélico processo de avaliação burocrática, sem critérios fiáveis.
Quanto ao já referido concurso para titulares, um concurso que figuraria bem num no Guiness do disparate, não conseguiu explicar critério algum. Nem podia. Por que bico de obra é que só contaram os últimos sete anos? Por que não cinco, ou dez? Qualquer coisa servia para esta senhora, que até chegou a ministra. Há quem tenha exercido, e repetidamente, todos os cargos ao longo da carreira, e tenha ficado de fora. Eu conheço muitos casos concretos. Os professores sabem-no. Mas o público em geral, não. E quando se lhes explica, a maior parte não acredita, tal o contra-senso. E depois disto tudo, essa senhora ainda tem a ousadia de afrontar os professores dizendo que os titulares é que são os competentes, e que os outros não?
A senhora ministra queixou-se tanto das caricaturas. Ai se ela pudesse! Ai dos que criticam ou fazem caricatura! Ela faria pior que os outros a propósito das caricaturas de Maomé. Coitada. Não se reconhece quando se vê ao espelho.
A sua participação no debate foi bem esclarecedora. Refugia-se na demagogia das aulas de substituição, na insinuação maldosa de que os professores não querem ser avaliados, na arte da fuga relativamente à fundamentação do concurso para professores titulares. Não conseguiu justificar nada. Missão impossível, de resto. Em tudo ela falhou.

2 – João Formosinho. O especialista. Um espectáculo de vacuidade naquela situação específica. Que estava ele ali a fazer? Por que é que o levaram ali? Seria a ministra? Certamente não. Ou, se foi, isso seria mais uma prova provada da sua falta de conhecimento. Será que ela não sabe o que anda a fazer? Ela acreditou que o Doutor Formosinho lhe poderia valer? Este veio lá do IEC – UM (Instituto de Estudos da Criança – Universidade do Minho) -, mas é como se não tivesse vindo. Abandonou ministra à sua solidão. Deixou-a sozinha. Nem cavalheiro foi. Quando não conseguiu evitar que lhe passassem a bola, assobiou para o ar.
Estou a ser injusto. Afinal de contas, João Formosinho disse grandes e inovadoras coisas: que todas as profissões eram avaliadas; que já há muito tempo dizia o que dizia – pois dizia e diz, sempre as mesmas coisas; que os pobrezinhos, caritativamente, deviam ter sucesso. Acabou por debitar uma pérola preciosa: que nem todos os professores contestavam, dando como exemplo os Conselhos Executivos das escolas. Mas, quanto a isto, os Conselhos Executivos é que sabem o que andaram a fazer. Pelo menos até agora.

3 – Arsélio Martins. Sim. O mesmo que pus do lado dos professores. Eu sei que se vão virar contra mim. Mas é mesmo verdade. Eu acho que ele esteve sem querer do lado do governo. O seu discurso perdeu todo o norte. Completamente. Tornou-se muleta da apresentadora e da ministra. As luzes da ribalta tiveram nele o efeito do canto da sereia. E sempre que era preciso tirar a ministra duma aflição, a apresentadora chamava-o, e ele ali estava pronto a divagar sobre as suas viagens, sobre as suas actividades em comissões disto e daquilo, sobre as suas candidaturas. Eu acho que ele já se apercebeu. Espero bem que sim. Prefiro pensar que ele foi usado, e que não se prestou a.

4 - Fátima Campos Ferreira, a apresentadora, parecia a assessora da ministra. Ou seria antes o seu anjo da guarda postiço, já que os anjos a sério da nossa fantasia são mais escrupulosos? Ele eram elogios a sua excelência, ele eram o dar-lhe a palavra sempre que lhe era propício, ele era não deixar defender-se quem era atacado pela ministra, ele era cortar a palavra sempre que via que a ministra não tinha argumentos, ele era dar a palavra a torto e a direito ao Arsélio Martins, só para interromper e dar descanso à ministra, e ocupar o tempo para que os outros não tivessem tempo. Lembrou-me muito a preocupação dos jornalistas quando a semana passado entrevistaram o Sócrates.

DO LADO DE TODA A MINHA SIMPATIA

1 – Fernanda Velez. Professora. Desfez logo no início a mistificação que a ministra tentou. Preto no branco, com uma firmeza clara, afirmou o método persistente da ministra dividir para reinar, denegrindo a imagem dos professores. Frontal. Segura. Sem medo. Fez bem em indicar logo no início a sua filiação partidária. E conseguiu, com a qualidade da sua intervenção, fazer-nos esquecer que ela tinha um partido. Percebe-se que sabia bem ao que ia. E que sabia organizar o tempo. Escasso. Há muitos professores assim. Por isso é que os burocratas detestam falar com eles. Ficam reduzidos à fraqueza dos seus argumentos baratos. E isso descontrola-os. Como se viu. Obrigou a ministra a ser malcriada e a fazer o papel de regateira de feira, ensaiando ironias impossíveis.Não conheço esta colega. Mas representou-nos muito bem. E isso, nos tempos que correm, não é muito fácil. Por isso lhe agradeço.

2 – O Movimento dos Professores Revoltados. Via-se-lhes no semblante o cansaço. Da viagem. Da luta. Do peso da responsabilidade que sentiram por terem de falar e expor a força da sua revolta. Não tinham organização. Um pecado que se paga caro. Deu a impressão que o porta-voz foi atirado para arena assim de repente, sem que contasse. O jovem professor revoltado não se saiu mal, dadas as circunstâncias. Deu um trunfo à ministra, que ela tentou usar. O jovem professor quase ia sendo abatido pela sua sinceridade emotiva. Salvou-o Fernanda Velez, que não hesitou em dar-lhe a mão. É assim que um professor mais experiente faz.
Mas por que saliento este jovem professor revoltado? Porque vi nele aquele sangue novo que tanta falta nos faz. Porque ele tinha toda a razão naquilo que disse. Porque ele não teve a manha para amaciar as palavras. Porque vi o seu desalento por não lhe darem mais a palavra para se defender. Porque, a não ser a professora Fernanda Valdez, ninguém o apoiou. Porque Arsélio Martins falou tanto de dar esperança aos jovens professores, mas esqueceu-se do primeiro que lhe apareceu ao lado. Porque o achei sincero. Porque correu riscos. Porque falou com o coração a gritar de esperança. Porque a esperança está do lado da vida e do sonho.
Força, meu caro colega. Fizeste tudo muito bem. Muitos dos mais velhos que lá estavam é que não perceberam. Ou não quiseram. Às vezes acontece.
Vá. Venha daí um abraço.

CONCLUSÃO

Os professores, pela dignidade que devem a si mesmos, não podem aceitar a política dos factos apressadamente consumados que lhes querem impor; os professores, pela responsabilidade social das suas funções, não podem aceitar a degradação completa e absoluta da qualidade do ensino público; os professores não podem aceitar o desrespeito, o descrédito e a humilhação a que burocratas fúteis os querem sujeitar, em nome de um pragmatismo acéfalo, bastardo e irresponsável.
Nenhum professor, digno do nome, pode ficar pacato à espero do acontecer para ver no que dá. Dará em catástrofe. Pela sua própria dignidade, pela responsabilidade social das funções que exercem, os professores devem resistir, devem lutar, devem argumentar, devem ir para a rua.
Chegou a hora de se escolher de que lado se está. Quem ficar no meio, ficará do lado de lá. E o lado de lá é o lado da senhora ministra. Neste momento já não há mas, nem meio mas: ou se é professor e se sabe que o que está em causa e se vai à luta para vencer ou cair de pé, ou fica-se em casa com as pantufas do comodismo nos pés, fazendo vénias reverentes à mediocridade burocrática e ignóbil.
Há que insistir. Afinal, nós, professores, é que somos verdadeiramente construtores do futuro. E temo-lo já nas nossas mãos: os nossos alunos.
Já não temos ministra. Agora é só uma questão de ver durante quanto tempo mais é que vão guardar a múmia.
Os nossos alunos e os nossos ex-alunos merecem saber que nós estivemos na luta contra este desastre que se abate sobre o Ensino Público. Eu cá por mim, quando me perguntarem, vou dizer que sim.

2 comentários:

Anónimo disse...

Análise lúcida, detalhada, rigorosa e inteligente do programa Prós e Contras".
Subscrevo inteiramente tudo o que escreve e temos que fazer com que o leiam.
Abraço. A luta continua!

TempoBreve disse...

Cara Ibel!

Nós não somos da raça daqueles que enfiam contentes a cabeça no cepo.
Não podíamos ser, que esses não são gente. Mas, às vezes, temos que fingir que são.
Esta luta dos professores é decisiva. Ela marcará uma viragem na Educação. Ou defendemos a nossa dignidade, ou morremos como professores.
Um abraço.