sábado, 14 de fevereiro de 2009

As flores da ameixoeira




A ansiedade esgotou-se no esperar do dia. Foi um dia longo. Foi um dia calmo. Foi um dia feliz. E ela, santo Deus, como estava linda! E tinha que estar, que ela é a minha mais linda.
Tirei-a de casa; tinha que ser eu. Levei-a ao altar; tinha que ser eu. Do cruzeiro à igreja, foram os irmãos à vez; tinham que ser eles, que assim eu quis, que ela é também a menina deles.
Olhei muitas vezes para o tecto da igreja, sempre desfocado. Ninguém percebeu. E ninguém as viu, mansas e caladas, a rolarem escondidas, quentes entre as barbas. Mas, apesar disso, eu estava atento, a ter conta nela. E quando a vi chorar uma única vez, dei um passo em frente e, discretamente, entreguei-lhe um lenço, beijando-lhe a mão. Recompôs-se logo. Eu é que me ia descompondo todo quando, mais à frente, no momento do abraço, abracei o noivo. Mas lá me equilibrei, e ninguém notou.
Foi há cinco meses. E continuo a perguntar por ela quando chego a casa: Ela já veio? Não? Então vem amanhã, não vem? Não? Então quando vem? Estiveste com ela? Onde? Falaste com ela? O que é que ela disse? E agora vou todos os dias até ao quarto dela disfarçadamente. Vou lá procurar um livro que eu sei muito bem que não está lá; vou lá fechar a janela que eu sei muito bem que já está fechada; vou lá ver se a persiana já está, embora sabendo que já. Pois que outra coisa me ia fazer ir lá todos os santos dias?
Hoje esteve uma tarde linda de sol. Fui até ao jardim. A ameixoeira brava está a rebentar em flores. Tinha que a podar. Tesouras, serrote e escada e, fura que fura, por entre o emaranhado de ramos e flores, lá me fui esgueirando até à altura do primeiro andar. Empoleirado, um pé na escada, outro num dos ramos mais grossos da ameixoeira, saquei das tesouras, penduradas à cintura, para começar. Mas não comecei, que outra coisa me chamou urgente. Foi a janela do quarto que é dela ali mesmo à minha frente à distância de um esticar de braço. Pareceu-me Vê-la a sorrir-me por detrás da cortina. Aquilo era feitiço. Desci da escada, mas não pensem que subi logo para a ver. Não. Não subi. Primeiro fui buscar a máquina. Só depois é que subi, entrei, corri as cortinas, abri a janela, escolhi os melhores ângulos, fiz pontaria, foquei e fotografei as flores da ameixoeira. Afinal, são as flores da ameixoeira dela, que se vêem da janela dela, e que deixarei agora aqui.

9 comentários:

Anónimo disse...

Valha-me Jesus cristo! Então não é que as peles dele e as saias dela, em amendoeira, fizeram-me de Inverno os olhos,num dia de sol resfolegante?
Que saudades destes teus textos de lirismo tão arejado e lavado!Que poema narrativo e que descrição fulfurante de beleza. E depois a curiosidade do leitor, espicaçada sílaba a sílaba, como quem borda versos!!!
E eu que tinha colocado no Tempo um comentário teu, alusivo ao meu pai, sem ter lido ainda este teu texto...(imagina o que senti!)
Agora fico ansiosa por ver a tua menina amendoeira a olhar para nós e,enquanto ela não chega a este altar de poesia, vou relê-la para me respirar de Primavera.

Mar de Bem disse...

IBEL/LIA:

Então, não é que me meteste o bichinho da curiosidade e tive que vir ver estas "flores"?

Ao Blogger, apenas digo que a emoção que me invadiu ao ler este texto também teve uma vertente estética, e sabe porquê? Porque me equivoquei e na 1ª leitura percebi que tinha ido fotografar o reflexo das flores nos vidros da janela dela. Porque assim poderia fotografar a realidade virtual. Equívoco interessante, não?

TempoBreve disse...

Isabel!
Como fizeste bem relembrar-me dum comentário que eu sabia ter escrito para ti, mas de que já me esquecera de o ter escrito assim. Li-o, agora deixado por ti, como se pela primeira vez. E, confesso o meu pecado: esqueci que era meu e dei-me ao luxo de gostar.
Não digas bem dos meus textos, que eu posso acreditar.
Um abraço para ti.

TempoBreve disse...

Mar de Bem!

Onde diabo é que foi buscar um nome tão bonito assim?
Para mim a emoção, aquela verdadeira e humana emoção, anda sempre de braço dado com a estética, tal como anda com a razão. Só assim é emoção.
Gostei da sua emoção. E gostei do seu equívoco.
Tentei ir ao seu blogue, mas só encontrei o perfil. Vi que foi arquitecta, e que agora é pintora. que raiva que isso me faz, a mim que adora a pintura, e adoraria pintar.
Obrigado pela sua visita.

Mar de Bem disse...

TEMPoBREVE, Tempo que veio para ficar, não?

Sou MARia MARgarida Vieira de BEM Madruga. Há 2 anos apaixonei-me e aquele que foi meu poeta tinha por hábito escrever-me: MAR_garida, porque o mar nos separava, porque o mar nos unia. Sou das últimas VIEIRA DE BEM, por isso MAR de BEM é tão prosaico...nem pensei...surgiu logicamente.
Não tenho blogue porque não tenho pachorra. Sou mais reactiva. Vocês estimulam-me e...eu reajo, não é ISABEL/IBEL/LIA?

Quando era pequena queria ser pintora...pois é, tive que esperar quase 50 anos!!!
Agora que estou reformada da arquitectura, passo 6 meses por ano no Faial e Pico, isto é, no canal de Vitorino Nemésio e, como se diz por lá, estou-me consolando.

Vim aqui...e voltarei aqui!

Anónimo disse...

"Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada,aconchegada nos meus braços,que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada, ninguém a rouba mais de mim."

Um lindo poema, como lindo é este texto, como lindo é este amor...como linda é esta familia... e como bom é (re) visitar as lembranças que nos acalmam as ausências!

TempoBreve disse...

Caro anónimo!

Na voragem dos dias, esqueci-me de si. Isto é, esqueci-me de lhe agradecer o poema tão bonito que aqui me ofereceu, as suas palavras de apreço pelas minhas palavras e a sua estimada visita.
Faço-o hoje, um mês e meio depois, pois só hoje é que andei a pôr comentários em dia. As minhas desculpas, sim?
O poema que deixou é uma grande lição de vida. Oxalá todos a entendam.
Um abraço para si.

Anónimo disse...

Que as flores te tragam mensagens de amor e carinho.

Gaivoar disse...

As flores trarão, certamente, mensagens anónimas e outras carregadas de amor e o D. Quixote, se as ler, vai ficar com ciúmes...