sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Cá para mim é mulher

Era um daqueles dias em que me perco de tudo e ando quilómetros sozinho na praia, a ver se encontro as notas do som do mar. Tento até o cantochão. Mas por mais que eu encontre, mais me falta encontrar. Tento então a minha voz, invento novas palavras, mas por mais que eu invente, mais me falta inventar. Porém eu nunca desisto, e volta e meia insisto nestas minhas tentativas.
Era um daqueles dias. Quando cheguei à penedia, que é onde sempre chego, estava a maré muito baixa, em dia de marés vivas. Por isso andei mar adentro, de penedo em penedo, mais longe do que é costume. Esqueci-me, então, da música, e virei-me para a escultura, começando a buscar formas, no todo ou em pormenores. E tirei fotografias, que ficaram esquecidas durante semanas a fio.
Tudo estava muito bem, até que me lembrei delas, e lá as fui procurar para deixar uma aqui. Entre as primeiras que vi, estavam as Silhuetas, que logo aqui vos deixei, como certamente já viram.
Só depois de as publicar é que comecei a duvidar das formas que lá estão. E eu que não sou D. Quixote, embora gostasse de ser, não posso dizer que o que vejo é aquilo que lá está. Por isso eu já não sei bem se aquilo são penedos, se gigantes de perfil, ou se homens disfarçados, de pescoço distendido e olhar embevecido para o espaço que há entre eles. Por isso eu já não sei bem se o espaço que os separa é simplesmente céu, mar e pedra, ou se é escultura grega, no vazio desenhada; ou se sereia ladina, com cores de modernidade, a encantar pobres mortais; ou será mesmo mulher, desnudando vestes de água, até ao ponto exacto onde a tentação cai mais?
Cá para mim é mulher, mas não posso dizer tal, quando não ainda dizem que tenho algum distúrbio mental. Mas se disserem que digam, que um distúrbio mental, se causado por mulher, parece-me natural.
Era um daqueles dias. A música levou-me à escultura, a escultura à fotografia, a fotografia à mulher. Um percurso bem normal.
:-)

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Aquela velha e ousada senhora

Viram a fotografia no Tempo? Esta é outra, mas é quase igual. Também podia chamar-se O rapaz da camisola verde, mas dei-lhe outro nome, que vai dar ao mesmo.
Existem nesta variações ínfimas de pormenor, que simbolizam dimensões do tempo.
Há na fotografia um passado já morto, representado nos montículos cónicos de feixes de palha de milho, e no espigueiro, que vão desfilando em cortejo saudoso e cómico.
Há também um presente um tanto descabelado, representado ali ao fundo e à esquerda; há um presente naquele mar de gente que se adivinha, em festas ainda de povo; há ainda um presente de pais que encavalitam os filhos, para que fiquem mais protegidos, e para que vejam mais longe, e para que vejam melhor.
E há no conjunto um futuro incerto, para novos e velhos, e já magoado por feridas presentes, que temos de começar a sarar, desde já, e a reconstruir, animados por aquela ousada e velha senhora chamada utopia, a qual está inscrita na camisola que se cola ao rapaz.
Que o rapaz da camisola verde seja o nosso porta-bandeira!

Nota: Isto faz-me lembrar, não sei bem porquê, aquela história de gigantes e anões. Mas isso é outra história.

domingo, 16 de setembro de 2007

Amizade em forma de pedra

Não sei se sabem, mas deviam saber, que eu muitas vezes não ando com telemóvel. E, quando ando, ou está desligado, ou está em silêncio. É quase sempre assim. Depois eu vejo quem telefonou e decido se ligo de volta ou não. Leio as mensagens escritas, e respondo ou não, mas as de voz, essas não as ouço. Com esta simpatia toda tão social, até já tem havido quem se tenha queixado. Mas sem razão, não acham?
Ora aconteceu ontem, eram 22:09, estava eu na festa, e vou ver as horas, que é uma grande utilidade que o telemóvel tem. Estava a piscar. Estavam-me a ligar. Vi logo quem era. Era um meu amigo que tinha ido de férias para longe. Sorri porque já sabia qual era o convite que me ia fazer, e preparei-me para dizer-lhe que não, que não podia, que me ia deitar tarde. Atendi:
- Então?! Como está o meu amigo? Correu tudo bem?
- Correu, sim. Olhe, deixe-se de coisas. Amanhã lá estamos. Vou buscá-lo a casa às 14:00. Às 15:30 estamos no buraco um. Acabamos pelas 18:30, que é uma hora muito boa para acabar. Você vai no banco de trás para não olhar para o conta quilómetros.
- Lamento, mas amanhã não posso. Vou-me deitar-me tarde.
- E eu nem me vou deitar. Vá! Deixe-se de tretas. Amanhã às 14:00.
- Mas eu nem estou em casa. Nem estou na cidade.
- Eu também não. Às 14:00. Está combinado.
- Onde raio é que você está?
- Estou no aeroporto do Dubai. Às 14:00. Está combinado.
Dei uma gargalhada, e disse que sim. Se ele estava no Dubai e vinha, eu também podia bem vir do sítio onde estava. E às 15:30 demos a primeira pancada. Fomos o terror do campo nesta tarde de hoje. No fim, esse meu amigo tirou um saco do carro e entregou-mo dizendo:
- Isto é para si.
- Para mim? O que é?
- Uma pedra e uma garrafa de areia. São do deserto. Apanhei-as eu.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

O amor é assim, e bendito seja

É assim o amor. Sem reservas nem concessões, ele bate á porta; sem se saber quando; sem se saber onde. E nem põe a hipótese de que a porta não se possa abrir. Malandro, ele, que, no momento em que bate, já sabe que entrou. E assim deve ser.
Traz tudo consigo: todos os sentires que nos atropelam tontos ; todos os sonhares que do corpo voam procurando alma. Deixa-nos assim, como que sem jeito.
Não é culpa nossa, antes desejo mágico, que ele entre assim pela porta aberta. E é aberta que ela deve estar. Mesmo sabendo que ele, traquinas, pode bem partir. E ficarão saudades das cores com que nos pintou, dos perfumes com que nos banhou, dos afagos com que nos tocou, dos sabores com que nos enebriou, das músicas com que nos cativou.
Será grande a tristeza? Será. Mas bendita. Que ao nos afogarmos nela sabemos que sabemos o que já tivemos no lugar que é dela. E isso é um grande bem. E um altar onde, devotos, podemos pedir milagres, pois sabemos que eles existem. E que os sonhos não morrem.
E, depois desta tontice, não me posso assinar como"Anónimo"; seja, então, "António".

Notas: 1- Texto tal como foi publicado no blog da sonhadora, altardasaudade, nos comentários referentes ao poema Efemeridades, de 12 de junho; 2 - Acrescentei apenas o título; 3 - Deixo-o aqui, pois acho que ele mantém alguma especificidade, não obstante a pretensão que eu tive de substituí-lo em absoluto pela versão que deixei no Tempo, e a que dei o título de Bendito seja o amor; 4 - Se os compararem, dirão da sua justiça; 5 - Mencionei a sonhadora, com o assentimento dela ; 5 - E agradeço-lhe, pois este texto aqui, tal como está, nasceu dum improviso, que não emendei, e que me assaltou depois de ter lido o poema já referido.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Gigante de pedra

O Gigante de pedra contempla o mar. Ele sabe os segredos da vida e da espuma, da brisa e da bruma. Conhece os anseios dos nossos avós e, consolando-nos, fala-nos deles, enquanto promete que aos nossos netos falará de nós. Por isso gostamos de o escutar, quando junto a ele, ou ao colo dele, nos vamos sentar. Dê por onde der, conte o que contar, ele acaba sempre por falar de si, por falar de mim, por falar de nós. Você nunca ouviu?